São Paulo, segunda-feira, 26 de fevereiro de 1996
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Ainda sobre o DPVAT

ANTONIO PENTEADO MENDONÇA

Nos dois últimos artigos publicados nesta Folha, eu mostrei como o DPVAT, o seguro obrigatório que todo o proprietário de veículo paga uma vez por ano, no licenciamento de seu carro, foi completamente desvirtuado.
Deixou-se de pagar indenizações, para pagar uma enorme festa, onde pessoas estranhas às finalidades do seguro acabam ficando com o grosso da arrecadação, enquanto as vítimas e as seguradoras são prejudicadas e os proprietários de veículos morrem com a conta.
Criado na primeira metade da década de 70, com a finalidade de substituir um seguro chamado Recovat, que ao longo dos anos 60 serviu de fachada para grandes bandalheiras, o DPVAT trouxe algumas inovações importantes.
A principal delas foi o pagamento da indenização em qualquer situação, independentemente da culpa pelo acidente ser ou não do motorista do veículo envolvido.
Esta premissa é tão abrangente que até mesmo as vítimas de acidentes envolvendo veículos não identificados têm direito a receber as indenizações previstas pelo seguro.
E é aqui que o DPVAT acabou criando uma segunda teta, onde mamam as quadrilhas especializadas em lesar as vítimas e suas famílias.
Com golpes mesquinhos e imorais, praticados nos corredores dos hospitais e dos Institutos Médicos Legais de todo o país, valendo-se da existência do seguro obrigatório, as quadrilhas cobram duas vezes, uma do acidentado e outra do SUS.
A primeira teta, como eu contei nos artigos anteriores, começa beneficiando o SUS, que fica com metade do faturamento total do DPVAT, amparado pela ficção de que são os hospitais da rede pública que atendem a maioria das vítimas dos acidentes de trânsito.
Só que ele fica também com a parte referente às indenizações devidas aos mortos, como se os mortos nos acidentes de trânsito recebessem algum tipo de ajuda por parte da rede médico-hospitalar pública.
Eles não recebem, mas, contrariando a Constituição, o SUS levou de graça, no ano de 1995, mais de R$ 250 milhões, que ele se esqueceu de repassar para a rede credenciada, que deveria atender com dignidade as vítimas dos acidentes de veículos.
Como ele não fez qualquer repasse com esse objetivo, a rede credenciada também não fez qualquer investimento para melhorar o atendimento das vítimas que a procuram.
Mas cobrar todos cobram. O SUS cobra do convênio que administra o DPVAT, os hospitais cobram as despesas havidas do SUS ou do seguro, e parte deles não se peja de cobrar dos dois.
Assim, um único acidente pode gerar até três indenizações por vítima, com o agravante de a vítima ser invariavelmente mal atendida, além de receber, como indenização máxima pelo atendimento médico-hospitalar, míseros mil e poucos reais.
Só que esta festa vai além, colocando parte do dinheiro das indenizações nos bolsos das quadrilhas especializadas em enganar as vítimas e suas famílias, nos corredores dos Institutos Médicos Legais e dos hospitais espalhados pelo país.
É verdade que a indenização do seguro sempre foi baixa. Mas para quem ganha salário mínimo ou pouco mais que isso, e que são os alvos dessas quadrilhas, sequer centavo é dinheiro.
Sendo assim, os truques para enganá-los -normalmente o adiantamento em dinheiro de uma parte mínima da indenização, contra a assinatura de uma procuração autorizando o "benfeitor" a sacar o total do seguro- estão entre os golpes mais mesquinhos já inventados pelo homem para roubar o homem.
Assim, o DPVAT, criado com a finalidade de amparar basicamente as famílias dos mortos e inválidos do nosso trânsito, ao longo de pouco mais de 20 anos -principalmente por pagar indenizações muito baixas- acabou se transformando no financiador de toda a sorte de gente.
Alguns por leis e resoluções, outros na "cara dura", sendo que, exceto as vítimas e as seguradoras, que acabam ficando com o "mico" do negócio, ninguém tem nada a ver, nem poderia ser beneficiária deste dinheiro.
De acordo com o presidente do convênio que administra o seguro, se todos os que mordem dois terços do total do faturamento do DPVAT fossem tirados da festa, as seguradoras poderiam pagar até quatro vezes mais (a título de indenização) às vítimas dos acidentes de trânsito.
As vítimas, em última análise, deveriam ser as únicas beneficiárias de um seguro obrigatório, pago por todos os proprietários de "veículos automotores terrestres".
Afinal de contas, por que estes cidadãos devem pagar a falência da previdência social brasileira?
Por que os donos de veículos devem pagar as mordomias de uma fundação que lhes é desconhecida e que deveria formar mão-de-obra para o mercado segurador?
Por que devem pagar o bem estar dos direitos dos sindicatos dos corretores de seguros?
Por que devem ajudar a subvencionar a federação das ricas seguradoras?
Não tem o menor sentido. Quanto às fraudes e aos golpes aplicados em cima do seguro, trata-se de casos de polícia.

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