São Paulo, segunda-feira, 26 de fevereiro de 1996
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Violência armada vira recurso de emissoras

ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA

O aumento do número de assassinatos em São Paulo durante o carnaval chocou. Inspirou uma campanha de desarmamento da população que bem poderia incluir uma campanha de desarmamento da televisão.
A sequência de crimes violentos no "Jornal Nacional" da última sexta-feira, imediatamente seguida de atentado na novela "Explode Coração", é exemplar.
A violência armada aparece como recurso privilegiado na busca desesperada das emissoras pela atenção dos telespectadores. E embora esteja limitado às parcas opções oferecidas, a suposta preferência do telespectador, reduzido à meras cifras do Ibope, constitui sempre o argumento maior em favor da banalização da violência.
O assassinato dos dois genros do general Saddam Hussein no Iraque foi manchete em todos os telejornais. O assunto, especialmente picante é prato cheio. O crime foi executado por "sua propria familia", tem implicações políticas internas e gera reações diplomáticas.
A história é poderosa, mas as imagens são pobres. O Iraque permanece um mistério tenebroso e pouco penetrável, até mesmo para as lentes da CNN. Mas a falta de cor na notícia iraquiana foi compensada na Globo pela sequência contundente em que um mafioso italiano -a mandado da organização- assassinou o irmão na presença da própria mãe.
Neste caso, a história não tem relevância nem atualidade especial. Não foi ao ar no dia em que ocorreu, mas na data do julgamento do assassino. Não mereceu atenção de outros telejornais. No entanto, a força dramática de suas imagens a tornaram irresistível para o "Jornal Nacional".
No fluxo de imagens televisivas, as distinções entre a linguagem da notícia e da ficção se confundem. As imagens do crime italiano estão perfeitamente de acordo com a sequência de abertura do capítulo da novela "Explode Coração".
O tiro que atingiu Júlio Falcão (Edson Cellulari) no estacionamento de sua empresa, no momento em que o empresário posava para fotos jornalísticas, assustou o numeroso contingente de telespectadores infantis da novela das oito. Porque parecia "de verdade".
A idéia aqui não é reiterar a antiga e aparentemente insolúvel -mas sempre apaixonada- discussão sobre os efeitos nocivos da violência na televisão. Tal como o debate sobre o excesso de sexo, os protestos sobre o excesso de violência são em geral pobres e carregados de moralismos conservadores. Na maior parte das vezes subestimam a inteligência crítica dos telespectadores.
E, em certa medida, a violência na televisão expressa o aumento da violência cotidiana. Mas a crítica às concepções simplistas de que a televisão "faz a cabeça das pessoas" não pode levar à ingênua posição inversa -de que a televisão não tem nenhuma influência social.
Essa máxima, de maneira muito cômoda, isenta as emissoras de qualquer responsabilidade pública. Sempre sob o argumento mistificador de que falam em nome do "telespectador", uma entidade abstrata e construída a partir de procedimentos estatísticos que eliminam diferenças e optam por uma preferência média empiricamente inexistente.

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