São Paulo, segunda-feira, 26 de fevereiro de 1996
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O terror invisível

JOSIAS DE SOUZA

SÃO PAULO - Algo de absurdo ocorre no Estado mais importante do país.
São Paulo não se sensibiliza mais com o horror.
O horror chama menos atenção do paulista do que um chumaço de algodão em meio à paisagem do pólo sul. Desperta menos interesse do que um biquíni fio dental nas areias de Copacabana. Nada mais banal do que a tragédia na São Paulo de hoje.
No último final de semana, produziram-se 53 mortos na capital paulista. O número inclui seis vítimas de duas novas chacinas. Só em 1996, 30 pessoas foram chacinadas na periferia de São Paulo.
Veja bem, fevereiro ainda não terminou e as mortes da indústria paulista do extermínio já são contadas às três dezenas. Acrescentem-se à contabilidade as mortes do Carnaval e o quadro se tornará ainda mais grotesco.
Nos dias de folia, foram assassinadas no Estado de São Paulo 219 pessoas. Uma montanha invisível de cadáveres.
Em 1992, no massacre do Carandiru, uma carnificina divulgada em âmbito mundial, a PM paulista executou 111 presidiários. Temos agora praticamente dois Carandirus.
E por que São Paulo mantém-se inerte? Por que o paulista dá de ombros para tantos assassinatos? A resposta está na análise do perfil dos cadáveres. A maioria das vítimas é pobre.
Eis a resposta: o horror de São Paulo é invisível porque suas vítimas não aparecem nas colunas sociais. No Rio é diferente. O sequestro transporta o horror para a sala de visitas de famílias cariocas endinheiradas.
Em São Paulo, a violência ainda exclui o rico. Bem verdade que a miséria cobra pedágio dos paulistas bem-postos no sinal de trânsito. A pobreza arma-se até de pedras para roubar nos semáforos. Mas o paulista que derrama o sangue nas chacinas não é o morador dos bairros chiques.
E enquanto a morte estiver restrita à periferia, Maluf pode perder tempo à vontade com a proibição de fumo em restaurantes. Covas pode divertir-se com os problemas do Banespa.

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