São Paulo, segunda-feira, 26 de fevereiro de 1996
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Banco e esgoto

DARCY RIBEIRO

Um sistema bancário é tão importante e até indispensável para um país como uma rede de esgotos. Mas ninguém concluiria disso que devemos entregar tudo aos sanitaristas, nem aos banqueiros. É preciso que em cada lugar em que haja algo a colher chegue o esgoto. O banco também tem de ir onde se precisa drenar dinheiro para alguma empresa. Não se pode é lhe entregar tudo. Senão seremos obrigados a declará-lo serviço público estratégico que só pode operar sob controle rígido como se faz com o esgoto, que ninguém ousaria privatizar.
A finalidade de um banco é lucrar. Qualquer coisa que um banqueiro faça, o faz para ganhar mais dinheiro. Onde se tem juízo os bancos são autorizados a manipular o dinheiro e o crédito, cabendo aos industriais e aos fazendeiros produzirem e aos comerciantes vender. Pôr os bancos para produzir e vender dá em confusão.
A produção e distribuição respondem às necessidades sociais e vitais que devem ser atendidas em toda a sociedade, porque todo mundo precisa nutrir-se, vestir-se e trabalhar. É também um imperativo patriótico que responde pela continuidade da existência nacional autônoma.
É óbvio que isso se deve fazer atento à lucratividade porque o lucro é a forma mais primitiva e eficaz de controlar a higidez das empresas. Mas fazer dele a mola do mundo é reimplantar a adoração do bezerro de ouro, grande bestagem. Banqueiro, para lucrar, vende qualquer coisa, a fazenda herdada, a mãe viúva. Uma empresa posta em suas mãos ou é galinha dos ovos de ouro ou galinha morta e comida. Os trabalhadores que se danem, a nação que se descabele.
A ética do lucro dos banqueiros é feroz e implacável, violenta qualquer escrúpulo. Todo mundo sabe disso e põe a mão no bolso e na consciência quando um banqueiro se acerca. No Brasil não. A moda atual aqui, imposta por uns tecnocratas que nunca criaram nada, é promover o lucro a qualquer custo. Com a cabeça feita no estrangeiro e fidelidade impávida pelos banqueiros do capital parasitário, seu ideal é a privatização de tudo que seja lucrativo, principalmente as empresas públicas. Sua crença fervorosa é que só entregue aos banqueiros um país prospera. Para eles só banqueiro promove o progresso, no processo de enricar. Simultaneamente, ao ficar podre de rico, amolece o coração para distribuir o bolo. Ninguém nunca viu isto, mas é questão de fé, dogma.
Os dois exemplos que temos no Brasil de privatização acelerada das que alegram os banqueiros são elucidativos. O ensino superior que foi entregue quase todo a empresas lucrativas, exemplo único no mundo, caiu por isso numa decadência medonha. O sistema de saúde que antigamente era encargo das santas casas e dos hospitais públicos, entregue à lucratividade empresarial, acabou com a previdência e enfermou a todo o povo brasileiro.
Entretanto, este é o ideal que ilumina a ação dos tecnocratas de FHC. Doidos, eles querem doar aos banqueiros até a Vale do Rio Doce que é uma das empresas mais eficazes e lucrativas do mundo. Precisamente por isso.
Têm certeza de que, nos países de capitalismo tardio e raquítico como o nosso, só banqueiro sabe lucrar, por conseguinte, cabe a eles a gestão privada de tudo que é potencialmente lucrativo. Qualquer que seja o custo para o povo, ainda que acelere o desemprego e ponha em risco a sobrevivência nacional.

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