São Paulo, segunda-feira, 26 de fevereiro de 1996
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Quatro assuntos

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO - Tinha três assuntos para comentar na crônica de hoje. Três não, quatro. O primeiro é justamente chamar de crônica aquilo que geralmente chamam de coluna. Já escrevi em jornal que publicava minha crônica na horizontal, ocupando quatro ou seis (aí sim) colunas da página.
Outro dia, recebi de uma leitora de Ribeirão Preto o xerox de uma coluna antiga (1965) na própria Folha. Uma senhora coluna, de alto a baixo, ocupando exatamente o espaço que os paginadores chamam de "coluna". Era difícil de ler, mais parecia uma tripa comprida, mas que era coluna, era.
Crônica ou coluna, vou reclamar dos policiais que tiraram o notebook do bicheiro Castor de Andrade, que está em cana. É uma sacanagem. Desde Homero e Sócrates, a literatura universal é pródiga em autores que aproveitaram a cadeia para produzir obras, algumas primas. O exemplo mais notável é Cervantes. Mas há também o caso de Silvio Pellico e Antonio Gramsci.
Mesmo na repressão mais aguda do AI-5, Joel Silveira e eu, na cela do Batalhão de Guarda, em São Cristóvão, tivemos direito às nossas máquinas de escrever. Não fiz nada que prestasse (coisa que também não faço quando em liberdade), mas Joel se entusiasmou, traduziu roteiros de Fellini para a Civilização e ganhou o dinheiro para sustentar a casa dele.
Acho que é um direito universal dos presos ter acesso a papel e caneta -mesmo em suas versões mais sofisticadas, como a máquina de escrever e o computador. Mario Cavaradossi, na ópera de Puccini, suborna um guarda para lhe arranjar papel e caneta a fim de escrever um bilhete de amor a Tosca. O resultado foi uma ária que ainda serviu como música de fundo para recente novela das oito.
Os dois assuntos restantes ficam para depois. Um deles é a morte dos genros de Sadam Hussein -um episódio que lembra o tempo dos Césares e Médicis. O outro, para variar, seria uma epistemologia do frango. Não parece, mas tudo tem a ver.

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