São Paulo, quarta-feira, 28 de fevereiro de 1996
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O Real e o frango

MARIO AMATO

Decorridos 19 meses desde a implantação do Plano Real, brasileiros e estrangeiros que aqui vivemos e trabalhamos pelo progresso do país regozijamo-nos com a queda da inflação, objetivo primeiro do plano, corolário de um trabalho de engenharia econômico-financeira em que se reúne, como matéria-prima, a confiabilidade do governo, a execução de práticas econômicas sem traumas, abertura do mercado, respeitabilidade internacional, aprimoramento dos setores produtivos, além de outras medidas adotadas, que culminaram com a elevação de nossa auto-estima como empresários e como brasileiros.
O plano se compatibiliza com a forma democrática de governo pelo debate nacional que ainda hoje provoca, envolvendo cientistas políticos e sociais, economistas e empresários, dirigentes sindicais, trabalhadores etc., todos procurando compreender e se adaptar a uma vida em uma economia baseada em moeda estável.
A validade desse debate nacional é tanto maior quando se sabe que ele não se estriba apenas em conceitos econômicos e sociais, mas se estende ao campo ideológico, no qual os analistas se valem de diferentes dialéticas para interpretá-lo.
Destaque-se, por verdadeiro, que o aspecto psicossocial do país, presentemente, é o ponto de apoio dos economistas, estudiosos e trabalhadores de diversas tendências políticas, preocupados com problemas que seriam a negação do Plano Real se por ele tivessem sido provocados.
Problemas como o desemprego, por exemplo, que não é resultante de algum efeito recessivo do Plano Real, mas do ajuste dos setores produtivos aos imperativos do comércio internacional, que exige qualidade de produtos e preços que os tornem competitivos. O desemprego tem outra causa mais importante, a globalização da economia, responsável pela presença de 40 milhões de desempregados em toda a Europa.
O Plano Real, se analisado friamente, tem um balanço positivo. Em primeiro lugar porque aproximou a economia nacional dos interesses da população. Antes dele, apenas uma elite para a qual sobrava algum dinheiro no final do mês conseguia viver bem, aplicando na ciranda financeira. A grande maioria da massa trabalhadora contabilizava mais mês do que salário, do que resultava um estado de sobrevivência comprovado particularmente pela qualidade e quantidade dos alimentos à sua mesa.
Em segundo lugar os aumentos de salários não acompanhavam a elevação diária do índice de inflação, transformando de forma compulsória a reivindicação trabalhista em constante luta por melhoria salarial, que terminava por prejudicar a população como um todo, visto que todo aumento era repassado aos preços para que os empresários pudessem continuar produzindo.
Há dias uma emissora de televisão estabelecia uma comparação entre o preço do quilo do pão e o do quilo do frango, para mostrar que tanto um como outro estão chegando mais facilmente à mesa do trabalhador, mesmo daqueles que vivem com baixos salários.
O título deste artigo decorre da constatação de que, enquanto a grande massa popular puder viver com salário tão baixo quanto o mínimo e ainda assim conseguir comprar outros produtos como rádio ou televisão e entrar em planos sérios de casa própria, satisfazendo antigas necessidades, a economia se expandirá, o país retomará o ritmo do seu desenvolvimento, aumentará a produção e a geração de empregos.
Isso ocorrerá não apenas no setor industrial, mas também na agricultura, a maior responsável pelo aproveitamento de mão-de-obra nos municípios com vocação agropecuária, agroindustrial e hortifrutigranjeira. Em 1474 Francis Bacon escrevia que tudo sai da terra, até mesmo o homem com seus hábitos, usos e costumes. Daí a certeza de que a natureza não se vence senão quando se lhe obedece.
Há dez anos, quando eu exercia a presidência da Fiesp, recebi o ministro da Indústria e Comércio da França, que na ocasião reclamava de subsídios dados à agricultura brasileira. Retruquei que a França subsidiava a sua agricultura em larga escala e que, em vez de subsidiar o açúcar produzido a partir da beterraba, poderia comprar o açúcar brasileiro, feito de cana. Lembrei-lhe que o subsídio agrícola distribuído pela Europa durante um ano era muito maior do que a dívida externa do Brasil, acumulada durante dez anos.
A resposta do ministro foi imediata e franca. Disse ele que essa política de subsídio não tinha solução. E mais: afirmou que o volume de recursos que o governo do seu país despendia para amparar a agricultura não era relevante se fosse levado em consideração o custo social que outra política acarretaria.
Aos doutos vale lembrar que essa é uma verdade incontestável. A agricultura, sempre que necessário, pode e deve ser subsidiada, mas sem puni-la, para que o povo tenha pão além de circo. O povo quer trabalhar para viver com dignidade. O atual governo parece ter compreendido bem esse desejo.
Por isso deve continuar a fazer o que vem fazendo, sem esquecer que tempo e momento são flexíveis, como são amplas as necessidades materiais e espirituais dos povos, assim como a perversidade internacional dos negócios e da tecnologia, que obrigam o ser humano a se adestrar todos os dias para se atualizar com sua época e tempo social.
Concluindo: não será o frango que está segurando penosamente a inflação?

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