São Paulo, quarta-feira, 28 de fevereiro de 1996
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Dupla moral

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO - É verdade que a Força Aérea cubana não deveria sair por aí derrubando aviões, estivessem eles ou não no espaço aéreo da ilha.
Mas mais lamentável do que o episódio em si é o duplo padrão de comportamento dos Estados Unidos em matéria de relações internacionais.
Apertar o já condenável embargo a Cuba contradiz um sem-número de ações norte-americanas em relação a outros países que cometem pecados idênticos ou até bem mais graves.
A China, por exemplo, matou uma porção de gente no massacre da Praça da Paz Celestial e, não obstante, continua gozando do status de nação mais favorecida no comércio com os EUA.
Há, no Oriente Médio, um punhado de países semifeudais que continuam sendo apoiados e, pior, armados pelos Estados Unidos.
Para não mencionar o fato de que ditaduras militares na América Latina praticaram incontáveis crimes sem que os Estados Unidos tivessem nem sequer pensado em romper relações com tais países, quanto mais aplicar-lhes um embargo como o que vigora em relação a Cuba já faz quase 40 anos.
O Chile do general Augusto Pinochet, por exemplo, mandou matar, em plena área de embaixadas de Washington, o ex-chanceler chileno Orlando Letelier, pelo único crime de fazer oposição à ditadura. Não consta que a Força Aérea cubana tenha ido tão longe.
Mesmo que não se queira aplicar critérios morais ou éticos, algo fora de moda, o endurecimento das sanções a Cuba peca também pela ineficiência, palavra mais de acordo com os tempos modernos. Fidel Castro sobreviveu ao embargo, sobreviveu até ao desaparecimento da União Soviética, que o financiava, e vai sobreviver também às novas punições.
Aí, de duas, uma: ou ditadura é ditadura e como tal deve ser tratada, seja de direita ou de esquerda, promova ou não abertura econômica, ou o argumento a partir do qual se aplicam punições a este ou aquele país fica completamente desmoralizado.
Sem contar o fato de que, ao determinar sanções para qualquer empresa, de qualquer país, que queira comerciar com Cuba, Washington substitui a Organização Mundial de Comércio sem que o resto do mundo lhe tenha dado mandato para tanto.

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