São Paulo, sexta-feira, 1 de março de 1996
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Secretário é pessimista sobre Brasil na ONU

DANIELA PINHEIRO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Pela primeira vez, o secretário-geral da ONU (Organização das Nações Unidas), Boutros Boutros-Ghali, afirmou estar pessimista quanto à rapidez das reformas no Conselho de Segurança. Ele disse ontem que "se deve falar em anos" para a aprovação das mudanças.
Isso significa que o Brasil ainda deve esperar muito tempo para ter viabilizada sua candidatura a integrante permanente do conselho.
O governo brasileiro mantém uma posição de distância no assunto: reafirma constantemente o desejo de integrar o conselho sem, no entanto, pleitear diretamente uma participação como membro permanente.
A dificuldade para a implementação das reformas, segundo Boutros-Ghali, é alcançar um consenso entre os cinco integrantes permanentes do Conselho de Segurança -EUA, Rússia, França, Inglaterra e China.
Segundo ele, os países discordam entre si sobre a alteração no número de vagas e a indicação de seus ocupantes.
Boutros-Ghali passou o dia ontem em Brasília, onde cumpriu uma agenda cheia. Encontrou-se com os presidentes da Câmara e do Senado, visitou o Supremo Tribunal Federal e deu palestra a estudantes de diplomacia.
À noite, foi a jantar no Palácio da Alvorada oferecido pelo presidente Fernando Henrique Cardoso.
FHC aproveitou o encontro com Boutros-Ghali para fazer uma crítica indireta ao presidente da Argentina, Carlos Menem.
FHC condenou a "mera competição por prestígio individual", referindo-se indiretamente à intenção da Argentina de também entrar na disputa por uma vaga no Conselho de Segurança e não dar apoio à candidatura brasileira.
Ele defendeu reformas na ONU e o pagamento em dia das contribuições dos países membros.
FHC disse estar "pessoalmente empenhado em garantir que nossas contribuições financeiras sejam pagas integral e pontualmente".
Também sugeriu apoio à permanência de Boutros-Ghali no cargo. "Esteja certo, senhor secretário-geral, do apoio do meu país a seus esforços para revitalizar nossa organização", afirmou FHC, que vestia gravata semelhante à do secretário-geral da ONU.
A seguir, os principais trechos da entrevista de Boutros-Ghali.
CONSELHO DE SEGURANÇA
"Admitir no conselho um país porque ele é líder da região é complicado. Para adotar esse tipo de critério para a América Latina, é preciso que funcione também para a África e Ásia. Eles têm que concordar com isso. Sabemos que os países em desenvolvimento estão sub-representados, mas é preciso o consenso de critérios."
CRÍTICA À IMPRENSA
"A mídia deveria prestar mais atenção na guerra civil que ocorre em certas partes do mundo. Na verdade, a imprensa ignora isso, e, por consequência, a opinião pública também. Somália, Mogadício, são bons exemplos. O problema lá era antigo, mas ninguém falava nada. De repente, virou manchete de jornais todos os dias. E, com a mesma rapidez, também sumiu do noticiário."
CRISE FINANCEIRA
"Ano passado, propus ao G-7 (sete países mais ricos do mundo) que permitisse que a ONU emitisse bônus, títulos de algum tipo para colocar em ordem suas finanças. Nós não temos de onde tirar dinheiro. Não podemos pedir empréstimo a bancos. Vamos ter uma reunião em junho para definir isso. Outra alternativa seria a criação de uma espécie de fundo. Os países nos devem US$ 3,3 bilhões. Só dos EUA devemos receber US$ 1,3 bilhão."
DÍVIDAS DA ONU
"Devemos cerca de US$ 20 milhões para o Brasil por causa das missões de paz em Angola. O chanceler Lampreia diz que é mais. De qualquer forma, não conseguimos pagar também para outros países que enviam tropas como o Uruguai, a Tunísia, Fiji. Em comparação a esses países, a ONU considera o Brasil um país rico. É minha máxima culpa não ter pago (risos)."
INICIATIVA PRIVADA
"A crise financeira da ONU provocou uma aproximação com a iniciativa privada. Estamos incentivando essas empresas a investir na paz. Queremos uma ponte entre paz e progresso. Os países mais ricos ainda resistem muito a dar dinheiro para as nações pobres ou em desenvolvimento."

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