São Paulo, domingo, 3 de março de 1996
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Só, doente se tranca em casa e se vicia em morfina

DE NOVA YORK

Desde 1988 trabalhando com portadores do HIV, Wagner Denuzzo, 32, já cuidou de pelo menos 300 brasileiros em Nova York.
"Para eles, tão grave quanto o próprio vírus é a solidão, o sentimento de isolamento".
Como assistente social do programa de imigrantes ilegais do Hospital Saint Vincent, Denuzzo, um paulistano que também entrou clandestinamente nos EUA, mas depois obteve direito à moradia, é a principal testemunha dos momentos de solidão dos brasileiros.
Um deles, aconteceu na quarta passada. "Você é meu único e, talvez último amigo", agradeceu T.L., 30, a Denuzzo.
Horas antes, T.L. havia saído do hospital onde passara dois dias para se desintoxicar das doses diárias de morfina que toma para enfrentar dores causadas por uma infecção. T.L. consome tanta morfina que a droga está perdendo o efeito.
Com a doença em estado avançado (sua morte foi prevista pelos médicos para dezembro passado), T.L. se afastou dos amigos, família e se recusa a qualquer tipo de ajuda. Sobrou-lhe a conversa telefônica com Wagner.
"Ele segue o caminho de muitos brasileiros, provocado pela solidão: o suicídio", lamenta Denuzzo que, há meses, tenta convencê-lo a tomar medicação contra o HIV ou participar de terapia. Mas T.L. prefere se trancar em seu apartamento, mergulhado na morfina.
"Não quero que ninguém veja o meu rosto, nunca mais", desculpa-se T.L. que, no Brasil e nos EUA, fez sucesso como modelo.
"Afundar em drogas às vezes parece a única solução", diz Mário Justino, ex-pastor da Igreja Universal do Reino de Deus, soropositivo, que, isolado e sem dinheiro, traficou e se viciou em cocaína.
Num passeio pelo East Harlem, na esquina em que traficava, ele diz ter sido salvo por um travesti brasileiro chamado Vanusa.
Depois de uma overdose, Justino foi hospitalizado e Vanusa, que trabalhava como voluntária do GMHC, conseguiu motivá-lo a sair das drogas. "Ela salvou minha vida", comenta Justino.
Pouco tempo depois, Vanusa morreria de Aids, num ritual comum na comunidade brasileira de portadores do vírus: sozinha.
"Muitos vieram a Nova York procurando a liberdade, mas encontram aqui uma prisão", diz João Fernando de Resende, 34, formado em antropologia pela Universidade de Brasília e ex-funcionário do Ministério da Fazenda.

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