São Paulo, domingo, 3 de março de 1996
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Brasileiro com vírus prefere viver em NY

DANIELA FALCÃO; GILBERTO DIMENSTEIN
DE NOVA YORK

"No Brasil é tudo lindo, tudo bom, se a gente não tem problema. Se ficar doente ou faltar dinheiro, vira um inferno", diz o carioca Luis de Souza, 33, expressando a mágoa compartilhada por boa parte dos soropositivos brasileiros que vive em Nova York.
Luis veio para os EUA em 92, três anos depois de ter descoberto que era HIV positivo. Ele não tinha nenhum sintoma da doença e decidiu abandonar o Brasil porque estava cansado de esconder da família que era gay e que tinha o vírus da Aids.
"As pessoas no Brasil são muito hipócritas. Minha mãe sabia que eu era gay, mas preferia fingir que meu único problema era a dificuldade de arranjar namoradas. Não podia nem pensar em levar meus parceiros para casa e não havia a menor abertura para conversa."
Há quase quatro anos sem visitar a família, Luis não quer voltar a viver no Brasil. "Só volto em férias porque quero mostrar a Thomas (seu namorado) as belezas do Rio."
O modelo paranaense M., 30, há oito anos vivendo em Nova York, também não tem planos de voltar ao Brasil. "Meu sistema imunológico já é debilitado. Se voltar, seria tanto estresse que morreria."
A falta de dinheiro e o preconceito que as pessoas no Brasil ainda têm com os soropositivos são as maiores preocupações de M. se tivesse que retornar ao país.
Para o professor-assistente da Universidade de Berkley (Califórnia), João Guilherme Biel, os portadores do vírus no Brasil estão, em geral, "abandonados". Desde 1992, Biel viaja ao Brasil, produzindo estudos sobre aidéticos. Ele já entrevistou 70 portadores do HIV no país e viu como quase todos enxergam nos EUA uma utopia.
"Eles imaginam que encontrarão aqui a cura e a proteção de uma sociedade que respeita os direitos individuais." Biel está escrevendo um livro com o médico Vitor Flávio Petrillo, que trabalhou no Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Petrillo contará sua experiência com 54 pacientes terminais de Aids no Brasil. "Vi médicos que, por horror aos pacientes, jogavam objetos para que eles acordassem."
O ex-bailarino Eduardo T. também não pensa em voltar a morar no país. "É mais seguro ser soropositivo nos EUA do que saudável no Brasil. Já tive muita saudade, mas hoje não quero voltar."
Há cinco anos, antes de se candidatar ao volunteer departure (lei que dá aos imigrantes ilegais tratamento gratuito, mas proíbe que eles deixem o país), Eduardo passou dois meses no Rio. "Fui assaltado na frente da minha casa e descobri que não conhecia mais ninguém."
(DF) e (GD)

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