São Paulo, domingo, 3 de março de 1996
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A chuteira e o jogador

ALOIZIO MERCADANTE

O Plano Real continua sendo sustentado basicamente pela combinação da âncora cambial e as elevadas taxas de juros.
O custo econômico e social dessa política tem sido elevado, com recordes de inadimplência e falências, além de significativa quebra da safra agrícola e desestruturação de setores industriais. O desemprego, agravado pela concorrência internacional selvagem, vem avançando.
Outra consequência é o descontrole das contas do governo e o endividamento do Estado, que atingiu R$ 207,5 bilhões em dezembro de 1995, ou seja, um aumento de R$ 54,4 bilhões em um ano! Isto representa recursos equivalentes a nove vezes o orçamento da cidade de São Paulo, que é o quarto do país.
Esse endividamento implicou um déficit público operacional de R$ 32,2 bilhões, 4,95% do PIB, o pior resultado desde o fim do governo Sarney.
O principal responsável por esse descontrole das contas públicas não é o crescimento das reservas cambiais, que oscilaram entre US$ 38,2 bilhões e US$ 51,1 bilhões no ano, mas a política monetária de juros altos. Um governo não pode sustentar por muito tempo a política de tomar grandes empréstimos internacionais a taxas de 30% ao ano e aplicar a 5%. Isso quebra qualquer empresa e arrebenta um país. Essas reservas são um lastro caro demais. John Maynard Keynes dizia, em 1923, quando predominava o padrão-ouro, que as reservas eram irrelevantes para sustentar uma moeda forte, mas a situação fiscal era fundamental.
As altas taxas de juros impõem custos brutais a empresas e bancos, com falências e inadimplência. Vão agravando o rombo nas finanças públicas, como demonstram as operações de "salvamento" dos bancos Nacional e Econômico. E, futuramente, exigirão o socorro aos municípios e Estados, que são os maiores devedores do país.
O endividamento público nem sempre é prejudicial à economia. Porém, esse endividamento acelerado não decorre de investimentos em infra-estrutura para reduzir o "custo Brasil" ou de políticas sociais para resgatar a dívida social. Ele vai aumentando o custo e a distância para uma política de estabilização com âncora fiscal.
Como afirmou recentemente o renomado e conservador economista norte-americano Thomas J. Sargent, "o Plano Real, por enquanto, é a chuteira à espera do jogador. Até agora, a platéia se satisfez com os sinais de que haverá um espetáculo. Mas ele ainda não começou".

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