São Paulo, domingo, 3 de março de 1996
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Sociedades anônimas

ANTONIO KANDIR

Na última quinta-feira apresentei na Câmara projeto de lei que modifica dispositivos da lei das sociedades anônimas e da lei do mercado de valores mobiliários. São leis de 20 anos atrás. O Brasil e o mundo eram outros então.
Vivíamos em regime de economia fechada e o Estado comandava o esquema de financiamento à produção. Recursos públicos e empréstimos externos disponíveis em condições favoráveis, mais os lucros propiciados pelo regime de economia fechada, eram fartos o suficiente para permitir o reinvestimento necessário à expansão da economia. O mercado de capitais tinha importância apenas residual como fonte de financiamento.
Hoje os tempos são outros. A economia brasileira abriu-se; o Estado já não mais comanda o financiamento da economia; a globalização produtiva acirra a concorrência e força processos de reestruturação de empresas e setores; a globalização financeira avança, sob o signo da concentração crescente de poupança em mãos de fundos de pensão, seguradoras e fundos mútuos de investimento, com perda proporcional de importância dos bancos para o financiamento produtivo.
Estava na hora, portanto, de tomar a iniciativa de começar a adequar a legislação à nova realidade.
Voltada ao fortalecimento do mercado de capitais, a engenharia do projeto estabelece equilíbrio eficiente entre controladores e minoritários. De um lado, eliminando elementos de rigidez e incerteza que desestimulam a abertura de capital e dificultam processos necessários de reestruturação das empresas -por exemplo, mediante revogação da obrigatoriedade de oferta pública posterior à aquisição do controle.
De outro, assegurando de fato os direitos dos minoritários. Estes recuperam o direito de retirada, no caso de fusão e incorporação de empresas, excetuados os titulares de ações negociadas em Bolsa, e adquirem o direito, se acionistas sem voto, de eleger um representante para o conselho de administração de empresas com ações negociadas em Bolsa ou no mercado de balcão organizado, entre outras modificações.
Também importantes são modificações que permitirão à CVM atuar de modo mais eficaz como reguladora do mercado de capitais. Além de aperfeiçoar mecanismos punitivos já existentes, o projeto introduz inovação, em conformidade com experiência internacional bem-sucedida, que permitirá à CVM punir ilícitos que hoje ficam impunes por conta da inexistência de instrumento adequado para coleta de provas.
Trata-se da autorização para que a autarquia, sob determinadas condições e sem prejuízo do processo cível e penal, faça acordo com parte envolvida em conduta suspeita, se a parte dispuser-se a fornecer informações sobre a materialidade do ilícito e demais pessoas envolvidas.
Por falta de espaço, detenho-me aqui, na expectativa de que o projeto, submetido à apreciação pública e objeto de eventuais modificações, seja o passo inicial para adaptar o conjunto da legislação pertinente às necessidades produtivas, financeiras e tecnológicas ditadas pela transformação estrutural da economia brasileira.

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