São Paulo, domingo, 3 de março de 1996
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Fim do trabalho encerra o século

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES; SUZANA BARELLI
EDITOR DE DOMINGO

SUZANA BARELLI
Desemprego, unemployment, chômage, desempleo, arbeitslosigkeit. Não importa a língua. A realidade é a mesma neste final de século: segundo estimativas apresentadas no recém-encerrado Fórum Econômico de Davos, na Suíça, 800 milhões de pessoas estão desempregadas ou subempregadas no mundo -quantidade que equivale a mais de 13 vezes a população brasileira economicamente ativa, calculada em 60 milhões.
Que futuro está sendo tecido por um sistema econômico que se globaliza, levando a todos os cantos do planeta os ideais do mercado, do Estado mínimo, do aumento da produtividade e da modernização tecnológica? Um mundo mais próximo da alegre fantasia futurista de "Os Jetsons" ou da barafunda cruel de "Blade Runner"?
O secretário do Trabalho dos EUA, Robert Reich, parece eliminar a primeira opção. Prevê, na entrevista que o Mais! publica na página ao lado, um cenário de acirrada procura por empregos e "muita incerteza".
Incertezas marcam, hoje, os debates em torno do futuro do trabalho. A começar pelo próprio papel das novas tecnologias na eliminação de vagas. A idéia corrente de que as máquinas são as vilãs do filme é contestada por alguns especialistas internacionais, que falam à Folha nesta edição.
É o caso de Olivier Blanchard, professor de economia do Massachusetts Institute of Technology (MIT), uma das mais respeitadas instituições de ensino e pesquisa dos EUA. Ele acredita (leia entrevista à pág. 5-11) que não há uma relação direta, muito menos causal, entre tecnologia e desemprego. "Se alguma relação pode ser inferida dos números, é a de que quanto mais rápido é o progresso da tecnologia, menor o desemprego."
Nem todos endossam essas afirmações. "Na lógica atual da organização societária, o desemprego tecnológico é uma consequência inevitável", diz Ricardo Antunes, 43, professor livre docente em Sociologia do Trabalho na Universidade de Campinas (Unicamp).
"O fenômeno do desemprego não tem solução à vista", considera Mailson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda e atual vice-presidente do Banco BMC. Ele recorre a uma expressão em língua inglesa para definir o quadro atual: "Jobless growth", ou seja, crescimento sem emprego. Fenômeno que estaria relacionado exatamente à revolução tecnológica.
Horácio Lafer Piva, diretor-titular do departamento de pesquisa da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), não tem dúvida quanto ao que se deve esperar, ao menos na área da indústria automobilística: "Em pouco tempo, toda a produção automotriz será totalmente robotizada".
"O crescimento econômico não significa mais que teremos novos empregos. Os últimos anos mostraram isso: a economia cresceu, mas foram fechados postos de trabalho", diz o sindicalista Paulo Pereira da Silva, o Paulinho, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo.
Um exemplo eloquente é o comportamento recente da economia brasileira, como observa o economista Márcio Pochamann, do Centro de Estudos Sindicais e da Economia do Trabalho da Universidade de Campinas (Unicamp).
Entre 1993 e 1995, diz Pochamann, a atividade econômica brasileira cresceu ao redor de 15%, enquanto o número de empregos aumentou apenas 2%.
Na década de 70, cada ponto percentual de aumento do PIB (Produto Interno Bruto, o total de riquezas geradas pelo país) garantia crescimento de 0,40% no emprego. No período de 1993 a 1995, essa relação caiu para 0,13%.
Como diz Piva, "é impossível frear o desenvolvimento". Em compensação, "com ele, não há garantia de emprego para todos".
A contínua diminuição do número de postos de trabalho vem provocando reações e despertando um debate internacional sobre como reverter essa tendência.
Na Europa, onde o desemprego atinge as taxas mais elevadas do mundo industrializado (veja quadro à pág. 5-10), tenta-se domesticar o monstro reduzindo-se a jornada de trabalho e o custo do emprego. No Brasil, também já surgem propostas, e algumas delas chegam às mesas de negociação -caso do controvertido acordo entre empresas e o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo para estimular o trabalho temporário. A idéia é promover a redução de encargos, diminuindo-se, assim, o custo da admissão e demissão.
A proposta teve o mérito de colocar em evidência um dos temas relevantes na questão do emprego. Mas, a julgar pela experiência francesa, a redução de encargos pode ter efeitos inesperados. Segundo o economista Thomas Coutrot, as empresas francesas teriam se beneficiado dos menores custos sem que as novas vagas surgissem. "Elas têm em média 20% mais do que normalmente precisam para investir e crescer. E ainda não apareceram os empregos."
Além da redução de encargos e da jornada de trabalho, haveria no Brasil uma outra possibilidade de se criar trabalho -o investimento em infra-estrutura.
"O Brasil é um país em construção, capaz de promover atividades maciças de geração de emprego", diz o economista Pedro Paulo Martoni Branco, diretor-executivo da Fundação Seade (Sistema Estadual de Análise de Dados).
A solução esbarra, contudo, na bancarrota do Estado, incapaz de acumular recursos para empreendimentos de maior vulto.
Pochamann, da Unicamp, fala também em medidas compensatórias, como uma agência pública de geração de emprego, mudanças nos programas de seguro-desemprego e a implementação do contrato coletivo de trabalho.
A saída para o Brasil passaria, ainda, pelo treinamento de uma mão-de-obra considerada muito pouco qualificada -e, portanto, de difícil absorção num quadro de avanços tecnológicos.
"O operário fordista é bastante diferente do trabalhador do final do século. Suas tarefas foram substituídas por funções que exigem a tomada de decisões", afirma o ex-ministro Mailson. Ele estima que o setor financeiro nacional -em acelerada informatização- estará empregando apenas 300 mil pessoas na virada do século, contra 1,1 milhão que mantinha em 1985.
Horácio Piva, da Fiesp, acredita que, apesar de tudo, a própria indústria nacional poderá minimizar o desemprego no futuro. "Vamos entrar em um círculo virtuoso em pouco tempo. As empresas mais competitivas vão criar novas riquezas para o país, que vai atrair mais recursos, gerando crescimento e emprego", diz.
O otimismo contrasta com o cenário desenhado pelo economista Jeremy Rifkin, que lançará este mês no Brasil o livro "O Fim dos Empregos". Ele diz à Folha (leia entrevista à pág. 5-11) que nos próximos 50 anos o mercado de trabalho mundial estará de tal forma alterado que será muito difícil evitar altíssimas taxas de desemprego.
Rifkin resume os ciclos do trabalho desde a Primeira Revolução Industrial: inicialmente os desempregados do campo foram para a indústria, depois quem saiu da indústria foi para os serviços. Agora, quando o próprio setor de serviços está sendo "desmontado" pela tecnologia, não há mais saídas à vista. O futuro avizinha-se sombrio.

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