São Paulo, domingo, 3 de março de 1996
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Economia sem regras

VINICIUS TORRES FREIRE
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Folha - Hoje no Brasil se propõe o corte de encargos sociais como uma medida para criar empregos. Na França, o governo disse que cortou encargos e que as empresas não contrataram...
Thomas Coutrot - É, (presidente Jacques) Chirac disse que as empresas embolsaram o dinheiro da redução dos encargos.
Em certos casos, o custo muito elevado dos salários e dos encargos relacionados ao salário impedem as empresas de contratar. Foi o caso da França nos anos 70 e 80.
Hoje, o custo salarial das pessoas sem qualificação é que é muito elevado, e não o custo salarial em geral. Quem ganha salário mínimo na França, que é bem alto (equivalente a R$ 1.300,00), tem uma produtividade baixa.
Como não se pode reduzir o salário mínimo, por motivos sociais e políticos, a solução foi diminuir a contribuição social baseada nestes salários.
Folha - Funcionou?
Coutrot - Ainda é cedo para dizer, as medidas foram adotadas há dois anos. Por enquanto os resultados não são perceptíveis, mas essas medidas têm efeitos a médio prazo, cerca de cinco anos.
No Brasil o caso é completamente diferente, falta salário. A parte dos salários na riqueza nacional é extremamente pequena. Seria absurdo atribuir o desemprego a um custo salarial elevado.
Folha - No Brasil essa política está começando pela indústria que paga mais, a de São Paulo.
Coutrot - Mas a parte dos salários no valor adicionado das empresas industriais é muito pequeno. Não é diminuindo essa participação que se vai diminuir o desemprego. Parece-me evidente.
Folha - Enfim, na França as empresas embolsaram o dinheiro da diminuição dos encargos?
Coutrot - De certa forma. A situação financeira das empresas é ótima, elas têm uma taxa de autofinanciamento de 120%. Quer dizer, elas têm em média 20% mais do que normalmente precisam para investir.
Em parte, isso se explica pela baixa dos custos salariais. E ainda não pareceram os empregos.
Folha - Aumentar salário e consumo cria emprego? Economistas franceses estão propondo esta política.
Coutrot - Do ponto de vista macroeconômico, seria uma solução. Hoje há menos aumento de salário e as pessoas estão com medo do desemprego e gastam menos.
Mas é uma solução difícil de implantar. Empresa alguma vai aumentar salário sozinha, por causa da concorrência, e um acordo global me parece improvável.
Folha - E a diminuição do tempo do trabalho, resolve?
Coutrot - Teoricamente é a solução mais interessante. O dinheiro do Estado que vai para o seguro-desemprego e renda mínima seria usado para financiar o programa de redução da jornada.
Mas há problemas. Os assalariados de menor renda acham que vão perder salário com a redução da jornada e são contra a idéia.
Os empresários também se opõem. Redução do tempo de trabalho implica reorganização da produção. É preciso formar pessoal, mudar horários, mudar os hábitos de trabalho, e isso custa.
Uma terceira dificuldade é que haveria ganhos de produtividade. Com uma jornada mais curta, há um aumento do ritmo do trabalho. E mais produtividade quer dizer menos contratação.
Para que essa política funcione, é preciso que os assalariados estejam certos de que não vão perder...
Folha - Mas eles vão, mesmo que proporcionalmente percam menos do que as horas que deixaram de trabalhar. A não ser que o Estado pague a diferença.
Coutrot - Isso é possível, com o dinheiro do seguro-desemprego. Mas pode faltar algum dinheiro, e então vamos precisar de outras fontes de financiamento, com aumento de impostos para certas categorias da população.
Folha - Quem paga a conta?
Coutrot - Poderia haver um aumento de certas contribuições sociais, do imposto de renda, do imposto das empresas. A idéia é que uma redução de 10% da duração do tempo do trabalho cria cerca de 1 milhão de empregos. Mas o programa depende da discussão da divisão da riqueza, de um grau elevado de mobilização social.
Folha - Parece um programa de esquerda.
Coutrot - Mas a direita, o governo atual, também está refletindo sobre o assunto. Cada vez mais gente percebe que as políticas de redução de encargos sociais e de flexibilização do mercado de trabalho mostraram seus limites. Na indústria há negociações sobre redução do tempo de trabalho. O governo diz que se essas negociações não derem em nada, e não devem dar, ele adota medidas legislativas.
Folha - Quando e quais?
Coutrot - Em meados do ano. Pode haver uma limitação ainda maior das horas extras e algo como uma variação do peso dos encargos sociais em relação à duração do tempo do trabalho em cada empresa. Paga mais quem fizer trabalhar mais do que 32 horas.
Folha - Olivier Blanchard, do Massachussetts Institute of Technology (EUA) diz que o aumento da produtividade não provoca demissões.
Coutrot - Concordo. O aumento da produtividade nos últimos 15 anos não tem sido muito rápido. Na França ele é de 2% ao ano. Nos anos 50, 60, os ganhos eram de 5%. Não havia desemprego.
Folha - Toda essa conversa de aumento extraordinário da produtividade e tecnologia é ficção?
Coutrot - É e não é. Em certas empresas a produtividade aumenta muito rapidamente. Em setores como o automobilístico também, que tem ganhos de eficiência de 8% ao ano, o que é impressionante. Mas isso se deve à reestruturações, como a terceirização. O desemprego aumenta há 20 anos porque o crescimento da produtividade global e da economia é baixo.
Folha - Mas as grandes empresas mundiais, eficientes, estão demitindo muito.
Coutrot - É verdade, mas é o fenômeno geral de reestruturação e corte de gorduras. É a relocalização de investimentos entre diferentes países, mudança de estratégias de produção, como a terceirização etc.
É a desregulamentação do sistema econômico global, nos países, nas relações entre os países, a liberalização total do movimento de mercadorias e de capitais.
Folha - A culpa é da mundialização?
Coutrot - Em parte. A mundialização provoca o desemprego, na medida em que contribui para desorganizar o sistema que assegurava uma certa estabilidade para o crescimento econômico, o sistema de regulações nacionais e internacionais, desde as negociações coletivas de trabalho às relações comerciais entre os países. E nada foi colocado no lugar, não há novas instituições que dêem um sentido para esse movimento.

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