São Paulo, domingo, 3 de março de 1996
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Contra a lógica da produção destrutiva

RICARDO ANTUNES

ESPECIAL PARA A FOLHA

Na lógica da atual organização societária, o desemprego tecnológico é uma consequência inevitável. O sistema produtor de mercadorias, movido pela finalidade de criar valores de troca, tem um intrínseco caráter destrutivo: elimina força humana de trabalho, destrói a natureza e coisifica e fetichiza o universo do trabalho, da cultura e dos valores. Quão mais avançada tecnologicamente é uma empresa, maior é o seu fôlego na competitividade da era global.
Resultado: em todos os cantos do mundo são cada vez mais explosivas as taxas de desemprego, criando uma monumental sociedade dos excluídos.
O avanço tecnológico, motor da disputa entre empresas e blocos, ao visar centralmente a produção de mercadorias e lucro, tem como consequência avassaladora o desemprego estrutural. E para aqueles que permanecem no mercado de trabalho há uma fragmentação e heterogeneização sem precedentes no universo da classe-que-vive-do-trabalho.
Qualificação e intelectualização do trabalho para alguns, que ficam no núcleo das empresas da era da competitividade, e desqualificação, precarização, "terceirização", trabalho informal, "part-time" etc. para muitos, que compreendem o subproletariado fabril e de serviços hoje. "Labour" para muitos e "work" para poucos.
A título de exemplo: entre 35 a 50% da população economicamente ativa inglesa, francesa, alemã e norte-americana encontra-se no universo do trabalho precário, parcial ou mesmo desempregada (A. Gorz, "Le Monde Diplomatique", junho/1990).
O que fazer com a massa de desempregados?
Primeiro: não ter nenhuma ilusão no interior dessa lógica destrutiva. Ela elimina força humana de trabalho. Ficam os "bons", os "qualificados", como diriam os neoliberais restauradores e seus aliados.
Segundo: a humanidade deve estar voltada para produzir valores de uso socialmente necessários e não valores de troca para um mercado segmentado e excludente. Tempo disponível para produzir coisas úteis. Com o padrão tecnológico conquistado neste final de século, poucas horas de trabalho diário de todos seriam suficientes para a sobrevivência do conjunto da humanidade. Mas para isso é preciso quebrar a lógica destrutiva que preside a sociabilidade contemporânea. O que é um empreendimento monumental.
Terceiro: lutar pela redução significativa da jornada ou tempo de trabalho, entre outras ações imediatas.
Quarto: países como Brasil, México, Índia, Rússia, pela dimensão continental que têm, poderiam buscar, desde já, caminhos econômicos alternativos, radicalmente contrários à globalização do capital, que integra para fora e desintegra para dentro. Para isso são necessárias muitas mudanças sociais e políticas nestes países. Mas já seria um bom começo...

Ricardo Antunes é professor livre docente em sociologia do trabalho na Universidade de Campinas; publicou "Adeus ao Trabalho?" (Cortez/Unicamp) e "O Novo Sindicalismo no Brasil" (Pontes); desenvolve atualmente a pesquisa "Para Onde Vai o Mundo do Trabalho?".

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