São Paulo, segunda-feira, 4 de março de 1996
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O significado do rock

ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
ESPECIAL PARA A FOLHA

Eu quero me redimir, o mundo gira, me fale sobre a sua vida, me fale sobre a MINHA vida, a dor é minha irmã. Você me perdoa?
A banda se chama Electrafixion. As linhas cima não passam de uma colagem de trechos de letras do primeiro álbum deles, "Burned". É das poucas coisas que tenho ouvido.
São frases que. se você tem mais de 15 anos e mais de quatro neurônios, já deve ter usado. Não necessariamente nessa ordem. Não necessariamente no mesmo dia.
À frente do Electrafixion, Ian McCulloch e Will Sergeant, respectivamente vocal e guitarra da banda fundamental da minha geração, Echo and the Bunnymen.
Que McCulloch e Sergeant tenham voltado a trabalhar juntos é uma dádiva. Agradeça aos céus. Reze voltado para Liverpool.
"Quando você diz que isso é amor/ Quer dizer o reverso do amor?" Echo and the Bunnymen ("Back of Love").
Qual a essência do rock? Dor adolescente? Mentes sossegadas? Almas em fogo?
Seja qual for, o fato é que McCulloch a conhece bem.
Seus personagens vivem arrependidos, não sabem para onde vão nem por que nasceram. Escondem-se atrás de guitarras pontiagudas.
Sim, as guitarras. Sergeant as maneja com nii-lirismo que parece intocado com o passar dos anos (e não são poucos).
Pena que a voz de McCulloch tenha perdido o viço, a profundidade (são mais de 15 anos; quem não perdeu?). Você não sabe como é duro perceber que os caras que a gente sempre admirou são mortais. Depois, fica ainda pior: você se toca que você mesmo não tem cadeira cativa no fértil globinho azulado.
No mundo pós-grunge, parece vigorar a idéia de que o rock não passa de esporro puro, de esculhambação e ponto.
Nesta coluna que estréio hoje, vou defender até a morte o contrário. É preciso que o rock tenha um significado maior, para além do suor e do chacoalhar de cabeças. É preciso que caras como Ian McCulloch apareçam de vez em quando para dizer umas verdades na nossa cara.
Mas calma. Sei que nada é mais intragável do que rock "sério". Por isso, a grandiosidade sinfônica dos Smashing Pumpinks, a pretensão "antropológica" dos Paralamas, coisas esnobes assim, vão receber pauladas sem dó.
Informação, alguma opinião, muita música, um pouco de literatura. Essa é a receita que pretendo seguir neste espaço.
Um vôo cego. Mas é tarde demais para saltar. Você chegou até aqui. Estamos juntos nessa.

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