São Paulo, segunda-feira, 4 de março de 1996 |
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ESPÉCIE AMEAÇADA Uma das mais antigas e populares caracterizações da espécie humana está na Bíblia. Provando o fruto da Árvore do Conhecimento, Adão e Eva são expulsos do Paraíso. Na prática, ficavam obrigados a trabalhar para sobreviver. Mas, se nessa imagem arquetípica a humanidade perde o Paraíso para entrar no mundo do trabalho e da criação, a realidade atual parece inverter as coisas. Ter trabalho e capacidade criativa é, hoje, uma dádiva. Para um número crescente de pessoas, em todo o mundo, poder trabalhar é que é um milagre. Nem os economistas chegaram a um consenso sobre as causas e possíveis remédios (humanos) para a tragédia do desemprego estrutural crescente. O extraordinário material que o Mais! publicou dá uma mostra da gravidade e da perplexidade hoje associadas a um fenômeno que se pode descrever como o fim das sociedades organizadas em torno do trabalho. Mas, ao contrário do que sonharam alguns utópicos, o não-trabalho, longe de levar a uma espécie de novo ócio paradisíaco, está conduzindo parcelas cada vez maiores das sociedades contemporâneas ao inferno do crime e da delinquência. Atinge todas as idades, semeia uma violência muitas vezes organizada a ponto de ameaçar o Estado e arruinar os mais básicos vestígios de solidariedade. Vive-se uma perversa convergência entre mudanças tecnológicas, novos modelos organizacionais, queda nas taxas de crescimento das principais economias mundiais, novas ondas migratórias, crises fiscais que minimizam o alcance do velho estratagema dos gastos públicos sociais compensatórios. Sem falar da implementação de novos esquemas regulatórios no Primeiro Mundo que, exigindo padrões de qualidade ambiental e denunciando o "dumping social" no mundo subdesenvolvido, estreitam ainda mais o raio de manobra para as economias mais pobres gerarem mais empregos. No princípio, foi a expulsão do Paraíso para o mundo do trabalho. A expulsão agora em curso tira parte da humanidade do mundo do trabalho, sem que se possa contar com um "Deus ex-machina" capaz de dar esperanças a essa espécie ameaçada. Próximo Texto: É A DEMOCRACIA, BOBALHÃO! Índice |
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