São Paulo, segunda-feira, 4 de março de 1996
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A Califórnia é aqui

DILVO I. RISTOFF

Em 6/11/94 um dos então futuros assessores do ministro Paulo Renato Souza iniciava uma reunião preparatória do grupo da educação do governo FHC exibindo um livro que levava o título de "Os Cem Melhores 'Colleges' Americanos". Esse assessor agora já é ex-assessor, mas a idéia dos "colleges" continua firme no cargo.
Para entender melhor o que são os "colleges" a que ele se referia é preciso ir à "matriz", pois "college", ao contrário do que parece, não é colégio nem universidade. É algo até aqui estranho ao nosso sistema educacional.
A julgar por textos produzidos por assessores do ministro, a educação superior pública brasileira deverá seguir o "master plan" californiano. Em linhas gerais, a proposta é construir um sistema com três tipos de instituições: universidades, instituições de ensino e "colleges".
Cada uma dessas instituições terá uma identidade própria, claramente definida, devendo limitar-se a exercer as funções que lhe forem atribuídas.
As universidades terão, como em todo o mundo, o papel de produzir e disseminar o saber. Além do ensino regular de graduação, elas farão pesquisa, terão programas de mestrado e doutorado, identificarão talentos para estudos avançados e, apesar de resistências aqui e ali, talvez até desenvolvam programas de extensão. Estariam, no contexto brasileiro de hoje, incluídas nesse grupo USP, Unesp, Unicamp e algumas federais.
As instituições de ensino farão exclusivamente isso: ensino de graduação. Em casos excepcionais, por alguma vocação regional, poderão oferecer programas de especialização ou mestrado. Doutorado, nem pensar! Pesquisa, nem pensar! Isso é coisa de universidade! Sua função é formar profissionais altamente qualificados -nunca pesquisadores.
Por fim, os "colleges". Por "college" entenda-se "pós-secundário profissionalizante" -espaço acadêmico espremido entre o terceiro ano do 2º grau e o mundo universitário. A função inarredável dessas instituições será formar mão-de-obra para atender as exigências operacionais imediatas do mercado, em especial do setor técnico/produtivo. A duração desses cursos varia de dois a três anos.
No plano mestre para a educação superior da Califórnia, esses grupos são conhecidos como (1) o Sistema UC (University of California); (2) o Sistema CalState (California State -com uma instituição em cada cidade de grande porte) e (3) o Sistema dos Colleges, com ao menos um em cada cidade de porte médio.
Os "colleges" são criação de Franklin Delano Roosevelt, o homem que desmantelou a esquerda americana e era tido como comunista pela direita. Mas o plano mestre da Califórnia é mais recente, de 1960, e faz parte de um audacioso processo de democratização do acesso ao conhecimento.
Certamente é bom saber que uma comissão suprapartidária do Senado da Califórnia concluiu, 34 anos depois da implantação do plano, que a grande meta da democratização do acesso ao conhecimento foi atingida. O problema passou a ser qualidade.
Nesse sentido, o relatório faz uma ressalva importante: a divisão tripartite do sistema é por demais rígida e arbitrária, prejudicando a qualidade do ensino. Embora a comissão tenha o cuidado de propor que a pesquisa de ponta permaneça função exclusiva das universidades do sistema UC, recomenda que todas as instituições, inclusive os "colleges", façam algum tipo de pesquisa, pois "todo bom ensino depende diretamente da atividade de pesquisa a ele associada".
Em uma época em que, no Brasil, se pretende mudar a Constituição para acabar com a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, o relatório dos senadores da Califórnia surge como um alerta. O Brasil dos anos 90 não pode querer se tornar a Califórnia dos anos 60, copiando aspectos de um modelo que a matriz já condenou.
A experiência dos "colleges" tem sido positiva e adquire um significado social que precisa ser considerado. Mas "Colleges" não substituem universidades e não podem servir de pretexto para desqualificá-las.
Por mais importante que os "colleges" possam ser para a economia do país, uma nação soberana não pode prescindir de uma educação universitária desatrelada do imediatismo do mercado. Uma nação precisa de universidades preocupadas não só com o presente e o existente, mas também com o futuro e o que ainda não existe.

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