São Paulo, terça-feira, 5 de março de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

PT perde 600 mil filiados em um ano

FERNANDO DE BARROS E SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

O PT perdeu 600 mil dos seus filiados. Antes de iniciar sua campanha de refiliação em fevereiro do ano passado, quando completou 15 anos de existência, o partido tinha cerca de 700 mil filiados em todo o país. Ao final do processo, concluído em 15 de dezembro último, o PT conseguiu refiliar cerca de 100 mil pessoas.
"O processo de refiliação que nós fizemos faliu", reconhece Cândido Vaccarezza, secretário-geral do PT, o segundo homem na hierarquia interna do partido.
"Cometemos vários erros. As metas não foram alcançadas, a campanha não foi bem esclarecida, montamos uma estrutura inadequada", avalia Vaccarezza.
O presidente nacional do PT, José Dirceu, endossa a posição. "O processo foi mal planejado. Faltou motivação política para refiliar e o resultado acabou aquém do esperado", diz.
O número de refiliações ficou tão abaixo das expectativas da direção que o partido resolveu desconsiderar o processo para efeito das prévias que vão escolher, neste mês, os candidatos que irão disputar as eleições municipais.
Poderão votar nas prévias de cada cidade todos os antigos filiados, o que, na prática, é o mesmo que jogar as refiliações na lata do lixo. O PT está fazendo o contrário do que defendeu Luiz Inácio Lula da Silva há um ano, quando sugeriu, ao lançar a campanha da refiliação, que as antigas filiações fossem anuladas para que se pudesse oxigenar e reciclar o partido.
Embora os líderes atribuam o fiasco à desorganização interna, há também a avaliação de que o crescimento do partido ao longo dos anos e sua progressiva inserção na vida institucional do país tenham colaborado para afastar o militante petista dos seus núcleos de base.
Máquina partidária
"Pesou muito na estrutura do PT o espaço que ocupamos no Parlamento, os governos que vencemos e as campanhas eleitorais de que participamos", diz José Dirceu. "O PT também cresceu muito nos sindicatos", afirma ele.
Essa análise dos fatos encontra respaldo no que pensa a socióloga Maria Victoria Benevides, professora da Faculdade de Educação da USP (Universidade de São Paulo).
Filiada ao PT desde a sua fundação, em 1980, ela não se refiliou no ano passado. "Houve grande incompetência interna, eu fui a vários eventos do partido e nunca fui convidada a me refiliar, mas ainda pretendo fazê-lo assim que for possível", diz.
Segundo Maria Victoria, o baixo índice de refiliação "pode ser um aviso ao fato de que o partido está ficando muito igual aos outros". Na sua avaliação, "a pior coisa que poderia acontecer ao PT seria se transformar numa oposição cordial ao governo FHC, o que pode justificar o desinteresse dos jovens e o desencanto dos antigos militantes com a política".
Maria Victoria dá um exemplo do que seria a "cordialidade" petista que condena: "Outro dia vi uma foto da Benedita da Silva rindo, abraçada com José Sarney e Antônio Carlos Magalhães no Senado. Quase chorei. Pode tratar bem, mas não precisa abraçar essa gente, fazer parte desse clube".
Simpatizante do PT sem nunca ter sido filiado ao partido, o cientista político Wanderley Guilherme dos Santos, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), se diz "pouco surpreso" com o resultado da refiliação.
"Só se pode dizer que o PT está claramente deixando de ser um partido de mobilização. Ele pode continuar pondo seu eleitorado nas urnas, mas nas ruas não consegue mais", afirma Wanderley.
Ele diz não ver muito problemas nessa "marcha normal de um partido de mobilização para um partido de inserção institucional". Além disso, argumenta, "depois de duas derrotas consecutivas do Lula seria compreensível que os militantes manifestassem sua frustração e seu desânimo".
Generalizando seu argumento ao conjunto da política, Wanderley acredita que a figura do militante está em declínio: "As pessoas estão cuidando da vida. Militar tem custos, demanda tempo, dá trabalho, ninguém aguenta mais isso".

Texto Anterior: PM e manifestantes entram em conflito
Próximo Texto: Partido fará nova campanha
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.