São Paulo, terça-feira, 5 de março de 1996
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Convênio que segrega idoso é inconstitucional

MARILENE FELINTO
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Este artigo podia integrar um "Folha-old", algum suplemento para a "terceira idade" (eufemismo contemporâneo para velhice), equivalente para idosos do Folhateen para jovens. Mas não existe um Folha-old, ou um "Folhage" -já que a língua é inglês, em que "age" é "idade", o que lembraria "folhagem", árvore, sabedoria, coisa de velho.
Só não existe um "Folhidade" porque não se faz mídia para os cochilos da caduquice, para a tremura, a calvície e o miolo fraco dos avós. Só se faz mídia para quem consome -e não para quem vai morrer amanhã. Afinal, considera-se sempre que a morte é privilégio dos velhos. Não é. Os exemplos estão aí, na ordem do dia.
Esse artigo é delírio de cronista. Vem dizer o óbvio, vazio de sentido: plano de saúde que discrimina idoso é inconstitucional. Mas o que não é inconstitucional no país do banco Nacional e do Econômico?
Sabe qual a diferença entre a figura do cronista e a do cientista da história? É que o segundo -observação de Marilena Chaui, citando Walter Benjamin, em "Os Trabalhos da Memória"-é uma voz despencando no vazio, enquanto o primeiro crê que tudo é importante, conta e merece ser contado, pois todo dia é o último dia. E o último dia é hoje.
Esse artigo não é exatamente uma crônica, mas sofre da mesma crença vã. Na última terça-feira, eu trouxe aqui o caso de dona Edna, que foi punida pela Amil com um aumento de 60,5% na mensalidade de seu convênio médico.
Como a esmagadora maioria dos planos de saúde, a Amil tem por norma aumentar o valor da mensalidade do usuário à medida que este vai envelhecendo. Dona Edna faz 61 anos em breve. Sua mensalidade pulou de R$ 168,80 para R$ 270,94. Aposentada há pouco tempo, com remuneração mensal de R$ 280, ela, que divide despesas com os filhos, já não pode pagar o convênio.
O advogado Raul Portanova, que leu sobre o caso de dona Edna em Gramado (RS), me alertou, por fax, para o fato de que a cláusula 13 do contrato da Amil é inconstitucional. Agradeço ao dr. Portanova e utilizo seu comentário quanto à ilegalidade "linear e cristalina" do contrato em questão.
A "Cláusula 13" do contrato da Amil, artigo 13.2, estabelece: "O contratante reconhece que as mensalidades são estabelecidas tendo em vista a faixa etária em que os beneficiários estejam compreendidos. Ocorrendo alterações na idade de qualquer dos beneficiários do contrato, que importe em deslocamento para outra faixa etária, as mensalidades serão reajustadas para os valores da nova faixa, no mês da ocorrência, de acordo com a tabela então em vigor."
O advogado observa que tal cláusula ofende a Constituição da República Federativa do Brasil, no seu Título I, Art. 3º, inciso IV, merecendo transcrição e combinação:
"Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação." (O advogado grifou: objetivos fundamentais promover o bem de todos sem preconceito de idade.)

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