São Paulo, terça-feira, 5 de março de 1996
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Excessos versus contra-sensos

LUÍS PAULO ROSENBERG

Desde seu nascedouro, o Plano Real tem sofrido críticas pelos seus excessos.
De início, dirigidas contra a taxa cambial, que irresponsavelmente deslizara para a casa dos R$ 0,80 por dólar, despertando a cólera, simultaneamente, de neoliberais ortodoxos e protecionistas empedernidos.
Depois, pela novela dos juros estratosféricos, provocadores do colapso das finanças de Estados, União e empresas privadas.
A insistência no erro dos juros excessivos é causa da vulnerabilização do sistema bancário nacional, parideira do Proer, fantasma que agora assombra o governo FHC.
Pois sinto saudades da candura destes debates, hoje superados pelo ajustamento já efetivado na taxa cambial e pela opção do Banco Central de derrubar os juros, ainda que lentamente.
De fato, o que então se debatia era excesso de dosagem na implantação de um programa de estabilização, visto como correto e coerente por todos.
Ou seja, formuladores da política econômica e seus críticos concordavam na prioridade absoluta de extinguir a inflação, na competência do Plano Real em atingir tal objetivo, mas agarravam-se aos tapas quanto ao nível mínimo necessário de sacrifício que deveria ser imposto à sociedade brasileira para livrá-la do estigma inflacionário.
Lamentavelmente, do ano passado para cá, a pilotagem do Real tem sido desvirtuada pela adoção de medidas que o violentam.
Agora, não se trata mais de uma questão de dosagem de uma política correta, mas sim da injeção de veneno na veia do plano.
Vejamos:
. O gasto público disparou, fazendo o déficit operacional crescer, só no ano passado, 6% do PIB e dinamitando o pilar do equilíbrio fiscal, apesar de um crescimento espetacular da arrecadação.
. As propostas de reformas (fiscal, previdenciária, trabalhista e de privatização) simplesmente não existiram ou revelaram-se muito aquém do requerido para assegurar a viabilidade de longo prazo do Real.
. As medidas de protecionismo foram-se insinuando na ação governamental, levando ao fechamento progressivo da liberdade de importar e, pasmem, até à respiração boca a boca no moribundo Proálcool.
. A rendição da União perante a teimosia do governo de São Paulo em manter o Banespa estatizado abriu a temporada de pleitos estaduais de apoio federal a iniciativas que agridem o Real, com consequências imprevisíveis.
A diferença entre a época das críticas à dosagem e o momento atual, quando nos assustamos com os contra-sensos cometidos, é evidente.
Ao perder coerência, a política econômica gera incertezas junto aos agentes econômicos e oxigena a mobilização das forças do fisiologismo e dos privilégios, que a lógica do Real vinha sufocando.
Em decorrência, mesmo observadores imparciais passam a duvidar do sucesso do plano a médio prazo.
Depois de jogar no ataque, como um rolo compressor, até meados do ano passado, o que se vê hoje é um governo acuado, contraditório, comemorando como vitória não ter tomado pela cara uma CPI sobre o Banco Central, enquanto as reformas continuam deitadas em berço esplêndido.
É desse prisma que devem ser focados os fatos ultrajantes do Banco Nacional, que despertaram a indignação da sociedade e estão postergando ainda mais o debate dos assuntos prioritários para os rumos do país.
O escândalo estoura num momento particularmente penoso para FHC, já sitiado pelas contradições evidenciadas nos últimos meses. Fazem parte, entretanto, do processo de aprimoramento das instituições democráticas esses mergulhos periódicos nos desacertos do sistema.
Como nos episódios do impedimento de Collor e da investigação da corrupção dos anões do Congresso, o país sai deles sempre engrandecido por debruçar-se sobre suas mazelas, a fim de corrigi-las.
Nessa busca pela verdade, entretanto, é imprescindível manter o respeito devido aos que têm um passado de integridade ética e uma folha de serviços prestados ao país, como Malan e Loyola.
Seria imperdoável que eles viessem a incorporar-se à extensa lista dos talentos que se demitiram por desencanto com as condições de trabalho no governo, deixando, assim, o campo livre para as armações dos carreiristas maquiavélicos e para os eternos defensores de interesses menores.
E complicando ainda mais o futuro do Real.

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