São Paulo, terça-feira, 5 de março de 1996
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Mistério para o Congresso

ALOYSIO BIONDI

Não tem a mínima lógica a explicação surgida nos últimos dias para o "rombo" de R$ 5 bilhões do Nacional.
Afirma-se que diretores do banco conseguiram enganar o Banco Central durante anos, utilizando-se para isso de créditos "frios", inventados, repartidos entre as contas de cerca de 700 clientes-fantasmas.
A versão é duplamente conveniente para o governo: dá a entender que os problemas vêm de longa data e reafirma que foi impossível detectar as fraudes. Mas ela não resiste ao menor raciocínio:
. Gratuidade - alega-se que o Banco Central nunca soube dessas contas porque elas eram marcadas com um código secreto ("travadas") e não apareciam nas listagens dos computadores, no momento da fiscalização.
Brincadeira. Se um banco "inventa" empréstimos frios, é exatamente para que enganem a fiscalização, isto é, para que dêem a impressão de que as contas do balanço "fecham". Pra que inventar empréstimos "frios" e depois tirá-los das vistas da fiscalização?
Nesse caso, daria no mesmo lançar aqueles R$ 5 bilhões no balanço, sem a trabalheira de contas e créditos-fantasmas.
(Num paralelo simples: suponha que um cidadão, para comprar um imóvel, falsifique uma certidão de rendimentos. E, depois, decida não mostrar a declaração ao vendedor. Pra que a declaração?)
Só para contestar a reação: se aqueles créditos não aparecessem na listagem de haveres do Nacional, é óbvio que a soma final desses haveres, no balanço, acusaria o "buraco" de R$ 5 bilhões.
. Pulverização - como detalhe, apenas: alega-se que as contas eram "pulverizadas", isto é, de pequeno valor. Tolice.
Créditos de R$ 8,5 milhões cada um são altíssimos na vida de bancos com dezenas de milhares de clientes. Tanto que apenas 700 "devedores" somam R$ 5 bilhões.
Sobram indícios que a versão para o rombo de R$ 5 bilhões foi montada. Nessa hipótese, haveria uma tentativa de esconder que o rombo do Nacional, efetivamente, começou há muitos anos -mas a maior parte dele é recente.
Para esclarecer o mistério, o Congresso pode lançar mão, inclusive, de perícias que determinem a idade das fitas magnéticas e disquetes em que estão registradas as famosas operações-fantasmas.
A equipe econômica se comprometeu a fornecer todos os dados sobre o "socorro" prestado a bancos. Isso foi em novembro, quando o projeto do Proer foi encaminhado ao Congresso.
Já se passaram quatro meses, bilhões forma despejados no Nacional. E nada de prestação de contas.
Uma nova versão para o projeto que criou o programa de socorro aos bancos foi acertada entre governo e liderança do Congresso.
Torna obrigatório o fornecimento de informações. Na prática, encenação. O texto diz que o Banco Central liberará os dados "oportunamente". Como hoje: quando e se a equipe FHC achar que deve.
O governo vai privatizar o Banco Meridional em maio. O comprador poderá pagar 90% do preço -de cerca de 500 milhões- em moedas "podres". Só 10% em dinheiro.
Polianas
Os consumidores pobres teimam em contrariar as análises otimistas. Em fevereiro, voltou a recuar o número de devedores em atraso que conseguiram pagar suas dívidas na Grande São Paulo.
Houve quitação ou renegociação de apenas 44 mil carnês (77 mil em janeiro). O total de carnês em atraso se aproxima de 2,8 milhões.
Mais "rombo"
O governo federal aumentou as taxas de juros que vai pagar aos compradores de seus títulos. Nos leilões da semana passada, as Notas do Tesouro Nacional, com resgate em seis meses, foram vendidas a 16,80% ao ano (mais TR), contra 16,07% na venda anterior.
Só teimosia?
O governo autorizou os bancos a refinanciarem dívidas das pequenas empresas. Mas os bancos decidem os prazos e os juros.
No México, em agosto do ano passado, o governo exigiu que os bancos reduzissem seus juros em nada menos de 60%, para acompanhar a queda da inflação. Aqui...
Polianas
A Fiesp diz que a indústria paulista cresceu 4% sobre o mês de dezembro. Mas a queda é de 11,5% sobre janeiro de 1995. A utilização da capacidade instalada recuou para 75,5%, contra 78,7% em dezembro.

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