São Paulo, terça-feira, 5 de março de 1996
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Afogando em números

ANDRÉ LARA RESENDE

A maioria das pessoas tem enorme dificuldade de compreender o que significam os grandes números. Toda vez que na descrição de um fenômeno se faz referência a um número extremamente grande ou extremamente pequeno corre-se o risco de perder o público leigo.
Incapaz de se comunicar com a abstração numérica, o leigo simplesmente se desinteressa. É como se algo lhe tivesse sido dito numa língua rigorosamente desconhecida.
A observação vale para todas as áreas do conhecimento, mas é particularmente frustrante quando se trata de temas de finanças públicas e política econômica, onde sensibilizar a compreensão do grande público é particularmente importante.
Não é por outra razão que vez por outra é possível encontrar referências a quantos Fuscas uma determinada soma seria capaz de comprar.
O expositor acredita que transformar o grande número num múltiplo de algo conhecido e popular, como o velho Fusca, seja suficiente para dar-lhe uma concretude perdida na abstração numérica. A tentativa não é de todo má.
Mas a verdade é que grandes somas podem ser ainda um grande número de Fuscas. Um Fusca, dois, três... compreende-se. Com 20 pode-se ter uma frota de táxi. Mas o que significa 115 milhões de Fuscas? Lá se foi mais uma vez a concretude perdida.
Quando a questão, além de quantidades e valores, envolve algum tipo de incerteza e é preciso recorrer a probabilidades o caso se torna grave. Acontece que em todos os campos da vida moderna questões que nos afetam diretamente só podem ser expressas com recurso aos números e às probabilidades.
Vamos deixar de lado as chamadas ciências exatas, como a física e a biologia. Não é preciso fazer menção a tudo que diz respeito à saúde e à medicina moderna. Tomemos apenas as questões relativas às políticas sociais e econômicas.
A verdade é que no mundo de hoje, sem um mínimo de familiaridade com números e probabilidades, se está alijado da discussão e da capacidade de compreender a grande maioria dos temas -verdadeiros cidadãos de segunda classe.
Infelizmente, se o analfabetismo é um problema reconhecido e combatido, sua contrapartida numérica não desfruta da mesma hierarquia na escala dos males a serem combatidos. Muito pelo contrário, é comum encontrar quem se vanglorie de não ter a mínima noção dos mais rudimentares conhecimentos de aritmética.
É uma espécie de código para se classificar como uma pessoa sensível, preocupada com as pessoas, as emoções e as artes. Como se a ignorância numérica fosse garantia de sensibilidade emocional.
Volto aos grandes números. O déficit público é hoje, com certeza, o inimigo número um da estabilização. Não há dia em que não seja citado como peça-chave para garantir a estabilidade dos preços.
O orçamento federal, os orçamentos estaduais, os números do Banco Central e da dívida pública são alguns dos elementos sem os quais não se pode compreender as opções tomadas e os sacrifícios envolvidos. São grandes números.
A ignorância numérica contribui para que, se já não mais peças de ficção, continuem inacessíveis à grande maioria.

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