São Paulo, domingo, 17 de março de 1996
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Ilha 'perdida' tem alto índice de albinos

PAULO ZOCCHI

PAULO ZOCCHI; ORMUZD ALVES
DA AGÊNCIA FOLHA, EM CURURUPU (MA)

Em comunidade no litoral do Maranhão, taxa de albinismo é 150 vezes maior do que entre a população

ORMUZD ALVES
O pescador Edinaldo Louzeiro Silva, 24, se esconde na rede quando algum estranho se aproxima de seu rancho, na beira do mangue, na ilha dos Lençóis, litoral norte do Maranhão. Tímido, ele responde monossilabicamente às perguntas que lhe são feitas. Para evitar o sol que machuca sua pele "como queimadura de fogo", pesca camarões cor-de-rosa, que, como ele, saem mais à noite.
Silva é albino, e o pequeno paraíso natural, com 400 habitantes, onde mora, pode se transformar num inferno para gente como ele -que precisaria de consultas médicas periódicas para prevenir a formação de câncer na pele desprotegida pela ausência de pigmentos.
O hospital mais próximo está a sete horas de viagem de barco, na sede do município de Cururupu (190 km a noroeste de São Luís). A viagem, ao preço de R$ 10, é cara para os miseráveis habitantes do vilarejo.
Há quatro anos um médico não visita a ilha. O último foi o ex-prefeito Wilson Carvalho (PFL), no final de seu mandato. Muitos moradores nunca tiveram uma consulta médica na vida.
Há seis albinos na ilha, o que equivale a 1,5% da população com uma doença que atinge em média uma pessoa a cada 10 mil (0,01%), segundo o professor Paulo Otto, da Faculdade de Biologia da USP.
O povoado de Bate-Vento, na ilha vizinha de Maiaú, tem mais três crianças albinas, filhas de pais nascidos em Lençóis.
Peles sem defesa
O organismo dos albinos não produz melanina, o pigmento que dá cor e protege a pele dos efeitos nocivos dos raios solares. Sem essa defesa, há propensão a feridas e tumores e envelhecimento precoce da pele. A principal recomendação médica, neste caso, é para que a pessoa fique em casa de dia e trabalhe à noite. Possível numa grande cidade, é quase impraticável na ilha.
A origem do albinismo em Lençóis está nas famílias Silva e Oliveira, que chegaram lá há cem anos. Do casamento de pessoas dessas famílias nasceram vários albinos.
A percentagem deles na ilha já foi bem maior. Supõe-se que sua redução tenha três motivos principais: a morte precoce por falta de assistência; o crescimento do povoado, com a chegada de pessoas sem o gene do albinismo; e a mudança de alguns para outros locais.
O abandono dos albinos é a face mais exposta do descaso secular dos poderes públicos com as comunidades da região.
Lençóis não tem água encanada, posto de saúde, esgoto, telefone, luz e não recebe a visita dos Correios. Sua única obra pública é o prédio escolar, que não é usado há três anos, desde que o teto desabou. Desde 1994, a escola está abrigada na igrejinha e num barracão comunitário.
Na ilha dos Lençóis, a prefeitura só está presente através de quatro professoras e duas zeladoras da escola municipal. Maria Elza da Silva, 40, soma o cargo de professora ao de diretora para ganhar o maior salário da ilha -R$ 99 por mês.
Aposentadoria cassada
A albina mais velha de Lençóis é Neusa Paz de Oliveira Miranda, 70. Ela ia à médica em Cururupu quando viajava à cidade para receber a aposentadoria. Quase aos prantos, conta que seu benefício foi cortado há dois anos e meio quando o INSS descobriu que havia irregularidade no processo.
O político que providenciou sua aposentadoria encaminhou a papelada pelo sindicato dos trabalhadores rurais, que não abrange os habitantes de Lençóis. "Fiquei que nem louca, nem dormia à noite", afirmou.
Neusa hoje tenta se aposentar novamente e só não passa fome porque é sustentada pelo filho caçula. Ela não sabe quem é o presidente do Brasil.
O albino Manoel Oliveira, 62, tem a face cheia de ferimentos. Ele bateu com o rosto no chão e fez uns cortes. "Quando minha pele machuca, é difícil de ficar boa", diz.
Há alguns meses ele gastou R$ 20 em uma viagem de barco a São Luís para ir a uma médica, por causa do crescimento de um tumor atrás de seu joelho direito. Com a aplicação de remédios no local, a protuberância está diminuindo.
Ele sempre tentou se proteger do sol, usando chapéu, calça e manga comprida. "Mas o serviço aqui é só no sol bravo", reclama.
Para Oliveira, hoje em dia o resultado do trabalho não compensa como há alguns anos, quando se pescava muito mais peixe e camarão do que agora. "Dava para viver. Agora não dá".
O pescador chegou à conclusão que chegou a hora de parar. "Mas eles não querem aposentar. Sempre dizem que falta isto, falta aquilo". Ele confirma que a ilha já teve muitos albinos e afirma que os outros oito que vivem hoje em Lençóis e Bate-Vento são seus parentes. Ele é pai da diretora Maria e não tem albinos em sua descendência.

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