São Paulo, sexta-feira, 22 de março de 1996 |
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O silogismo de André
LUÍS NASSIF Em sua entrevista no programa "Roda Viva" o economista André Lara Resende usa de argumentos que ele considera óbvios para descartar qualquer possibilidade de mudança na política cambial.1) O BC pode alterar o câmbio nominal (isto é mudar a paridade nominal do real frente o dólar) mas não pode influir no câmbio real (isto é, nos efeitos da inflação sobre o câmbio). 2) Se o governo mudar o câmbio em 10%, vai provocar uma inflação de 10%. 3) Logo, o aumento cambial será anulado e ficará somente a inflação. Portanto, é estupidez pensar em mudar a política cambial. Vamos batizar esse raciocínio de "silogismo do André" e submetê-lo a alguns testes de lógica -sem deixar de reconhecer o enorme talento de reduzir tema tão complexo a teorema tão simples e tão óbvio. Que tal, inicialmente, uma alteração no sentido do item 2: 2) Se o governo mudar o câmbio em 10%, não provocará uma inflação de 10%. 3) Logo, haverá alteração no câmbio real. Bastou uma pequena mudança para alterar completamente o sentido do silogismo. Então, para que o raciocínio de André esteja correto, ele precisa provar que o item 2 é verdade pronta e acabada. Para testá-la, procedamos a mais algumas variações em torno do tema: 1) As tarifas são preço quase tão importante quanto o câmbio. 2) Um aumento de 10% no câmbio provocará uma inflação de 10%. 3) Logo, um aumento de 10% nas tarifas provocará inflação de magnitude semelhante. Se o silogismo está correto, como explicar o fato de o governo ter reajustado as tarifas em 15%, numa só pancada, e não ter provocado nem 15%, nem 10%, nem 5% de inflação? Pelo contrário: a inflação cedeu -obviamente não em função do reajuste das tarifas. Como é que André casa a realidade com esse automatismo sugerido no seu raciocínio? Há inúmeras maneiras de alterar o câmbio, mais lenta ou mais agudamente, sem interferir na inflação. O único efeito indubitável de uma desvalorização cambial será sobre os preços e passivos cambiais -especialmente sobre os dólares que entram no país para aplicações em taxas de juros. Os administradores desses fundos captam dólares -que custam juros internacionais- e aplicam em títulos públicos -que rendem juros nacionais. Cada vez que o câmbio anda na frente dos juros, sua carteira perde rentabilidade na exata proporção da diferença registrada. Se a aplicação rende 8% ao trimestre e o câmbio é reajustado em 4%, a aplicação vai render 3,8% ao trimestre, ou 16,3% ao ano (deixando de lado a tributação). Se a aplicação continuar rendendo 8% ao trimestre e o câmbio for reajustado em 10% no período, em lugar dos ganhos de 16% ao ano, haverá perda de 7%. Por isso, sugere-se que o "silogismo de André" seja reescrito da seguinte maneira: 1) O ganho de uma aplicação em dólares depende do diferencial entre a taxa interna de juros, a taxa externa de juros e a variação do câmbio. 2) Se a variação do câmbio mais a variação dos juros externos for maior que a variação interna dos juros, a aplicação perde. 3) Portanto, qualquer variação maior no câmbio prejudica a rentabilidade das carteiras de investimentos em dólares. Aí, o raciocínio começa a ficar claro. Texto Anterior: Compense o IR pago no exterior Próximo Texto: GTE forma consórcio para telefonia celular no Brasil Índice |
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