São Paulo, sexta-feira, 22 de março de 1996
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Extinção do passe ou mudança nos negócios?

RICARDO MELANI e RONALDO NEGRÃO

RICARDO MELANI; RONALDO NEGRÃO
ESPECIAL PARA A FOLHA

A extinção da Lei do Passe do jogador profissional de futebol deve ser imediata.
Em primeiro lugar, porque tem-se que pôr um fim aos traços de escravidão vigentes em uma relação trabalhista às portas do século 21.
Em segundo, porque o futebol só tem a ganhar com isso.
Com a Lei do Passe, a condição dos jogadores profissionais de futebol não é nada boa.
Para se ter idéia, 70% dos jogadores recebem menos de dois salários mínimos, a categoria não tem data-base, piso salarial ou limite de jornada.
Quem ganha com a Lei doPasse? De maneira direta, o dono do passe.
Tão bom é o negócio que se multiplicam os contratos paralelos entre clubes e empresários, possibilitando que, cada vez mais, empresários sejam donos de passes.
Há, inclusive, empresários que têm mais de cem passes.
Mas não só os donos de passes que estão envolvidos nesse "negócio". A estrutura está comprometida, a começar pelos clubes, que adquirem parcela dos seus rendimentos em transações de jogadores revelados nas categorias inferiores.
Não poucas vezes, há um terceiro agente, além do empresário e do diretor do clube: o técnico, que se sujeita a participar do "negócio", indica a compra de um jogador, escala determinados atletas, não pela sua habilidade, mas pela lei de oferta e procura.
Há também o burocrata incrustado na Federação, na Confederação ou na Fifa, que está ligado a algum dirigente ou empresários do ramo de passes e, portanto, tem sua sobrevivência política vinculada à manutenção desse esquema.
Há uma vasta rede de compromissos tecida a partir da Lei do Passe. O que isso tem a ver com o futebol? O que isso traz de bom para o futebol?
Nada; tal lei só beneficia quem se aproveita do futebol.
Mas a Lei do Passe está com os dias contados. O "caso Bosman" abriu a cova dessa lei.
Não há como competir. Os times europeus não pagarão altas somas por jogadores brasileiros podendo contratar bons europeus sem pagar nada.
A rede começa a se mexer. Há duas possibilidades.
Ou se extingue a Lei do Passe e o futebol sofre profunda mudança a caminho de uma nova organização que porá por terra a velha estrutura viciada, ou a rede se adapta à nova situação, passando por um ajuste, o que significaria a manutenção de sanguessugas do esporte mais popular do país.
No próprio Conselho Deliberativo do Instituto Nacional de Desenvolvimento do Desporto, há vozes destoantes.
O ministro Pelé afirma querer acabar com a Lei do Passe, mas há membros desse conselho que querem que o jogador seja "escravo" até os 25 anos de idade.
Só a extinção da Lei do Passe está a favor do futebol.
Em primeiro lugar, possibilitaria que os jogadores se organizassem a lutar por melhores condições de vida e trabalho e, em segundo, abriria caminho para uma nova estrutura organizativa -tanto dos clubes quando das federações e da confederação-, que responda às necessidades desse esporte e não apenas aos interesses materiais de investidores escusos.

Ricardo Melani e Ronaldo Negrão são professores de Educação Física da PUC-SP

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