São Paulo, sábado, 23 de março de 1996
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Esqueçam o que eu cantei

CLÓVIS ROSSI

São Paulo - Adoraria ter o poder de ler pensamentos pelo menos uma vez na vida. Usaria para ler o que Fernando Henrique Cardoso estava pensando na hora em que foi fotografado ao lado (ou, mais exatamente, atrás) da juventude malufista que foi visitá-lo no Planalto.
Aliás, nem sei se é preciso ter tais poderes. A cara do presidente diz tudo. Pena que só o Zé Simão tenha autoridade para contar, com todas as letras, que cara está usando FHC naquele instante.
Como não leio pensamento, mas não perdi a memória, me veio à cabeça instantaneamente o comício do Anhangabaú pelas diretas-já, em 1984. Foi ontem, mas pelo andar da carruagem parece que foi há uns dois ou três séculos.
Para quem não esteve lá nem leu a respeito, lembro: nesse comício, a palavra de ordem mais gritada (pelo menos a publicável) era "um, dois, três/Maluf no xadrez".
O senador FHC era um dos oradores e garanto que cantou, embora em voz baixa, essa debochada palavra de ordem da massa.
Como todos sabemos, Maluf não foi para o xadrez (e, vistas as coisas da perspectiva do tempo, não merecia mesmo). Foi para a prefeitura, depois de inúmeras tentativas eleitorais fracassadas, e tornou-se dono de uma sigla (PPB) que nove entre dez leitores não sabem o que significa, mas que, no Congresso, significa um punhado de votos.
FHC, por sua vez, foi para o Palácio do Planalto e parou de cantar "um, dois, três/Maluf no xadrez". Pelo visto, está cantando agora "um, dois, três/a dívida da prefeitura no governo federal" (nem é rima nem é solução, eu sei, mas o FHC de ontem tampouco rima com o de hoje).
Bem feitas as contas, o presidente que nega que tenha mandado esquecer o que escreveu também manda, na prática, esquecer o que ele cantou.

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