São Paulo, domingo, 24 de março de 1996
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Os inimigos do processo de pacificação do Oriente Médio

ALAIN TOURAINE
ESPECIAL PARA A FOLHA

A conferência internacional contra o terrorismo quer ser um apoio moral a Shimon Peres e Iasser Arafat, ambos enfraquecidos pelos atentados do Hamas; ela é, portanto, um ato positivo, em especial porque inúmeros países árabes declararam-se oficialmente favoráveis à paz, a ponto de chamarem terroristas os militantes que se dizem paladinos da causa islâmica. Porém, a eficácia dessa conferência será limitada, uma vez que não existe mais uma frente árabe de combate, embora a Síria, que ainda não assinou a paz com Israel, permaneça hostil e arraste com ela o governo libanês, seu eterno protegido.
Os israelenses que votam no Likud não acham que o partido romperá as negociações com Arafat e retomará o controle sobre Gaza e as cidades dos territórios geridos pela autoridade palestina. Por outro lado, os palestinos hostis ao processo de paz não podem simplesmente lançar os israelenses ao mar, como era o intuito da Liga Árabe antes da Guerra dos Seis Dias. O cometimento americano para sustentar o processo de paz é tão forte que nenhum Estado será capaz de afrontar sua supremacia, no tocante a essa questão. A Líbia, o Sudão, o Iraque e o Irã já se encontram isolados, e seus vizinhos não lhes inspiram confiança ou até mesmo mantêm relações hostis com eles.
Costuma-se dizer que a situação na Palestina ou em Israel pode degringolar a todo instante, que os adversários da paz podem derrotá-la facilmente. Tal análise não me parece exata.
Não se deve tratar com desprezo esses voluntários da morte que se sacrificam por suas convicções, como se sacrificaram os bassidjis iranianos durante a guerra contra o Iraque, e compreende-se por que eles são reconhecidos e respeitados. Mas sua ação é contrária aos mais elementares princípios democráticos e contradiz sobretudo a configuração política.
Trata-se, portanto, de Jerusalém a Tel Aviv e a Gaza, de saber se o processo de paz poderá desenrolar-se de acordo com o calendário previsto ou se será protelado, assumindo contornos ainda mais dramáticos do que já apresenta. A hipótese de um abandono do processo de paz parece excluída da realidade.
A dependência em que se encontra a população palestina face a Israel é bastante conhecida por todos para que a recusa de paz seja associada a uma política contrária à retomada da guerra e ao não-reconhecimento do Estado de Israel.
Este último lembrou aos palestinos que pode destruir em poucos dias a economia dos territórios sob autoridade árabe ao fechar suas próprias fronteiras. É preciso, assim, tanto da parte de Arafat quanto de Peres, reforçar a idéia de que a solidariedade entre os dois povos é mais importante que seu conflito, de que a distância entre os que aceitam e os que recusam a paz é maior do que o abismo entre os inimigos de ontem.
Isso é o que proclamam abertamente os representantes de Arafat no exterior, para quem os israelenses não são mais identificados como inimigos. Ao participar de manifestações públicas na França, a porta-voz palestina afirmou seu repúdio aos atentados lançados contra Israel por certos grupos do Hamas.
A posição de Arafat é menos frágil do que parece, justamente porque a grande maioria dos palestinos sabe que o abandono do processo de paz somente acarretaria uma deterioração de seu próprio Estado, mas nunca o surgimento de um novo movimento de libertação nacional, que aliás não poderia mais contar com o apoio do Egito e da Jordânia.
A posição de Shimon Peres é muito mais delicada. Primeiro, porque ele sempre foi considerado como muito condescendente, ao passo que Rabin, graças a seu passado militar de duros combates aos palestinos, tranquilizava uma parte dos nacionalistas israelenses, mas sobretudo porque estes últimos, que se sentem diretamente implicados, sabem também que quanto mais avança o processo de paz, mais difícil é a situação das colônias israelenses instaladas em pleno território palestino, em plena faixa de Gaza.
O verdadeiro perigo não é a retomada da guerra; não é também a atual onda de violência, embora seja provável que ela continue, uma vez que os palestinos mais radicais acham-se agora na mesma situação que os extremistas do IRA na Irlanda, do ETA no País Basco e dos movimentos nacionalistas na Córsega.
A decomposição de tais movimentos e a vontade política de encontrar uma solução negociada conduz certos elementos militares a encerrarem-se numa lógica extremista que se traduz numa violência contrária a todo compromisso.
O verdadeiro perigo está na escalada, em ambas as partes, de um nacionalismo autoritário. Digo nacionalismo, pois o componente político é mais importante do que o elemento religioso. O apelo ao Islã ou ao judaísmo é uma força mobilizadora, mas o objetivo é sobretudo de ordem política, e diz respeito à natureza do Estado e sua gestão da sociedade. Quanto maiores os entraves ao processo de paz, maior será a intolerância face às minorias, da qual os colonos judeus nos territórios ocupados serão as principais vítimas.
Podemos esperar que, de ambos os lados, agir-se-á conforme essa análise que salienta a força de resistência ao acordo de paz, mas sobretudo o caráter irreversível de tal armistício. A queda de Arafat, com certeza, botaria tudo a perder, mas, por essa mesma razão, parece extremamente improvável, embora o gesto de um voluntário da morte não possa ser excluído.
É evidente, por outro lado, que a vitória eleitoral de Peres reforçaria em boa medida as discussões de paz, mas não podemos tomar as próximas eleições como um referendo pela paz ou pela guerra.
Os israelenses darão seu endosso às possibilidades de Israel permanecer uma verdadeira democracia, ciosa tanto de suas minorias sociais e nacionais quanto do pluralismo dos partidos políticos. Israel, de fato, por ser uma sociedade democrática, foi capaz de conceber não apenas um Estado judeu em que vivem inúmeros palestinos, mas também um Estado palestino que compartilha de sua terra historicamente comum.
Arafat teve a imensa coragem de envolver-se no processo de paz, no que foi precedido por Sadat, ao assinar o acordo de Camp David; por ser a parte mais fraca, porém, não pôde definir uma solução política para a região como um todo.
Apenas Israel é capaz disso, tanto em termos políticos como militares, e, a despeito das investidas da violência e do nacionalismo, sobretudo na época da invasão do Líbano, nunca deixou de pensar e agir como um Estado democrático. É de Israel que depende hoje o futuro da paz, ou seja, a formação de um Estado nacional palestino.
E nada mostra, nem mesmo no auge da emoção popular que se seguiu aos atentados terroristas, que Israel possa renunciar a seu papel fundamental de criador de novos vínculos entre a nação israelense e a nação palestina.

Tradução de José Marcos Macedo.

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