São Paulo, segunda-feira, 25 de março de 1996
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São Bernardo promove expurgo, diz dissidente

MARCELO MOREIRA
DA AGÊNCIA FOLHA, NO ABCD

O vice-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABCD por Santo André, Cícero Firmino da Silva, o Martinha, inicia a semana com uma "árdua luta" para reformar a CUT e torná-la, segundo suas palavras, mais democrática.
O primeiro passo para isso será a recriação do Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André, acabando com a união de três anos com o antigo Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema.
"A CUT desviou-se de seus objetivos principais. Hoje a central é dirigida por uma elite fechada, que não admite oposição, distante dos sindicatos e dos trabalhadores", afirma Silva.
Ele rompeu com a diretoria do sindicato do ABCD há duas semanas, alegando que a sede regional de Santo André era desprezada.
Segundo ele, houve fraude na convenção que elegeu cinco representantes da Cofap para a chapa única que vai concorrer nas próximas eleições. Nenhum candidato que teve o apoio de Silva foi eleito nesta convenção.
Em entrevista exclusiva na sede regional de Santo André, Silva reafirma que não participará da próxima diretoria do sindicato, o qual, diz, tentará recriar na cidade.
*
Folha - A unificação dos sindicatos dos metalúrgicos de Santo André e São Bernardo não deu certo?
Cícero Firmino da Silva - Não. O de Santo André foi engolido pelo de São Bernardo. Fomos excluídos das decisões e desprezados pela cúpula do novo sindicato.
Folha - O rompimento foi político ou teve algo pessoal?
Silva - Foi político. A cúpula de São Bernardo está fazendo um expurgo para a próxima diretoria, eliminando todos aqueles que discordam da linha política. É a direita da corrente Articulação em ação.
É o tipo de política dominante na CUT nacional e na estadual, que, não por coincidência, são domina das por companheiros do mesmo grupo, ou seja, tiveram origem nos metalúrgicos de São Bernardo.
Folha - O sr. permanece na corrente Articulação Sindical?
Silva - Sim. Quero mudar o pensamento da corrente. Vamos abrir as mentes e privilegiar os de bates. Sou cutista e da Articulação. Folha - Por que o sr. se diz perseguido? O que o sr. questionava?
Silva - Duas coisas. Primeiro a própria união, que ocorreu em 93. Nunca deu certo. Perdemos influência, ficamos em segundo plano. Até mesmo nossa estrutura em Santo André e Mauá diminuiu. Para o pessoal de São Bernardo e para a CUT, a união era inquestionável.
A segunda coisa é a própria política do sindicato. O Sindicato dos Metalúrgicos do ABCD virou um sindicato dos trabalhadores das montadoras. Os de empresas pequenas e médias de autopeças e de máquinas ficou desassistido. O sindicato está longe das bases, seus líderes se agarraram ao poder.
Folha - Mas o sr. apoiou, em 95, o vice-presidente por São Bernardo, Luiz Marinho, para ele ser o próximo presidente do sindicato.
Silva - É verdade, mas eu e meu grupo achávamos que ainda era possível mudar as coisas. A mudança de diretoria era uma oportunidade. Me enganei. Respeito o Marinho como liderança, mas ele vai perpetuar a linha política que eu repudio. Ele está fazendo parte do grupo que montou o "rolo compressor" -quer dizer, o esquema de aniquilação dos des contentes nas convenções, fazendo com que todos os diretores da próxima chapa estejam afinados com a linha do sindicato.
Folha - Como fica sua relação com a CUT?
Silva - A CUT apoiou a diretoria do sindicato. Fui conversar com o Vicentinho (Vicente Paulo da Silva, presidente nacional da CUT) e com o Lula (Luís Inácio Lula da Sil va, ex-presidente do PT) para buscar ajuda, mas não tive retorno.
A CUT se desviou de seus objetivos primordiais. Está longe das bases e dominada por gente muito apegada ao poder. É o poder da direita da Articulação, que não permite o debate de idéias.
Folha - Vicentinho faz parte do grupo?
Silva - Tenho o maior respeito por Vicentinho, é um dos melhores líderes sindicais que já tivemos, assim como o Lula. O problema não é ele, nem o Feijoó (José Lopes Feijoó, presidente da CUT Estadual). O problema é o segundo escalão, povoado por gente perigosíssima, que nunca enfrentou uma greve, nunca enfrentou a polícia, que faz tudo pelo poder. São os burocratas do sindicalismo.
Folha - Mas muitos do segundo escalão são ligados ao Vicentinho e à Articulação.
Silva - É uma questão de administração. Se eles têm o aval do Vicentinho ou não, não sei dizer. Acho até que ele não sabe de muita coisa que ocorre na CUT.
Folha - O Heiguiberto Navarro, o Guiba, presidente do sindicato, está dis posto a negociar a redução de encargos na folha de pagamento, desde que haja metas de criação de empregos. O que o sr. acha disso?
Silva - Sou favorável a este debate. Existem alguns encargos dispensáveis, como contribuições ao Sesi, Senai, Incra. Não são benefícios diretos diretamente ao trabalhador.
Só que temos que preservar garantias históricas, como a carteira assinada, 13º salário e questões semelhantes. Discordo das propos tas da Força Sindical, que quer o trabalho temporário sem garantias.
Folha - O que o sr. acha de acor dos de flexibilização de jornada, como os das montadoras?
Silva - São alternativas importantes para se tentar criar empregos. Já houve mais empregos criados na Eluma de Santo André e na Volkswagen. Só se justifica com a criação de empregos, não só para preservar os que já existem.
Folha - A experiência das câmaras setoriais foi positiva?
Silva - Sim, porque colocou os trabalhadores no centro dos debates econômicos nacionais. Os acordos nas câmaras criaram empregos. A retomada delas, como defende a CUT, seria interessante. Mas só elas não resolvem, é preciso também vontade política da sociedade para melhorar a distribuição de renda.
Folha - Por que o sr. teve contatos com outras correntes sindicais?
Silva - Fui buscar apoio. Conversei com os metalúrgicos de Campinas, mais à esquerda na CUT, e a Corrente Sindical Classista. Eles não concordam com o que está acontecendo no ABCD.
Folha - Qual seu futuro? Quem vai ajudá-lo a recuperar o sindicato de Santo André e lutar pelo fim da união? A Força Sindical?
Silva - Continuo cutista. Já estou em contato com vários sindica tos da CUT descontentes com a central. Ainda é cedo para computar apoio. Uma coisa é certa: estou longe da Força Sindical. Muita gente está dizendo que eu me encontrei com líderes desta central. Mas é mentira.

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