São Paulo, segunda-feira, 25 de março de 1996 |
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Dúvidas
JOÃO SAYAD Conceitos fundamentais só causam confusão. Inconsciente, energia, déficit público são bons exemplos.Tenho dúvidas sobre algumas idéias básicas das propostas de reforma da Previdência, especialmente a idéia de que a nova Previdência aumenta a poupança do país. A reforma chilena e as propostas de reformas de vários países do mundo se baseiam, entre outros, no argumento que a mudança do regime previdenciário do sistema de repartição para o regime de capitalização aumenta a poupança agregada do país. Tento convencer o leitor a ter dúvidas. 1) Definição: poupança é a parcela da produção nacional não consumida. O Brasil produz US$ 600 bilhões por ano e poupa mais ou menos 120 bilhões. 2) A poupança que interessa é a poupança total. José deixa de consumir, põe o dinheiro num banco que empresta para o João comprar televisão. José poupou, João despoupou. Não houve aumento de poupança agregada. O país não pode investir mais. 3) João comprou uma televisão com parte do seu salário. Na contabilidade nacional, João "consumiu" uma televisão. De verdade, João poupou e investiu- comprou um estoque de serviços de televisão até a próxima Copa do Mundo. 4) Os contribuintes do INSS recolhem todo mês a contribuição para pagamento da sua aposentadoria. Essa contribuição é gasta no pagamento dos aposentados de hoje. Os contribuintes poupam e os aposentados despoupam. Não há alteração da poupança nacional. 5) Reforma-se a Previdência que passa para o regime de capitalização. Os contribuintes da nova Previdência privada guardam todo mês uma parte da sua renda que é investida em ações, imóveis e títulos de renda fixa, cujos rendimentos serão utilizados para pagar sua aposentadoria daqui a 30 anos. Houve um aumento de poupança por parte dos trabalhadores atuais e de poupança financeira agregada. O argumento que a nova Previdência aumenta a poupança, por enquanto está certo. Vamos chamar este aumento de poupança de A. 6) Os contribuintes do novo regime de Previdência não pagam mais o INSS por razão da reforma. Diminuiu a poupança que faziam anteriormente e a poupança agregada. Esse pedaço de aumento de consumo, vai ser chamado de B. Agora, eles poupam A e deixam de poupar B. 7) Os contribuintes do novo regime de Previdência confiam em que vão receber uma boa aposentadoria no futuro. Atualmente não confiam no INSS e guardam um pouco mais por conta própria por que sabem que no futuro pode ser que a aposentadoria esperada seja alterada por novas regras. Depois da reforma, consomem uma parcela maior da rende corrente. Diminui a poupança agregada. Vamos chamar este efeito de C. 8) Numa primeira alternativa, imaginemos que os aposentados de hoje percam seus direitos e não recebam mais sua aposentadoria. Há uma redução na despoupança, ou um aumento de poupança que vamos chamar de D. 9) Outra alternativa é que os aposentados de hoje mantenham seus direitos e continuem a receber as aposentadorias correntemente financiadas por trabalhadores ainda no regime de repartição ou por gastos correntes do governo. O consumo dos aposentados continue a ser financiado por poupança dos trabalhadores ou gastos correntes do governo. Não altera a poupança agregada. Não precisamos considerar este efeito nem atribuir uma letra para ele. 10) O efeito final sobre a poupança é dado por A menos B menos C mais D. 11) A poupança agregada aumenta se B e C forem pequenos, ou seja se a nova Previdência não for confiável nem eficiente. Se ela for confiável e eficiente, o novo regime vai exigir uma contribuição menor para uma aposentadoria maior (B maior relativamente a A para a mesma aposentadoria) e o novo contribuinte vai poupar menos por conta própria para sua aposentadoria futura. (C maior). Paradoxal. 12) A poupança agregada aumenta tanto mais quanto menos forem respeitados os direitos adquiridos dos aposentados de hoje. 13) O que é atraente na reforma previdenciária do Chile é que ela funciona bem, oferece garantia para os trabalhadores de uma boa aposentadoria. Além disso, transfere para o setor privado um volume significativo de poupança que antes estava administrado pelo governo e com uso predeterminado no pagamento dos aposentados. Essa poupança, não necessariamente maior que a anterior, passa pelo mercado de capitais, é administrada por bancos e pode financiar investimentos privados. Junta-se a outro montão de poupança financeira acumulada que corre de um país para outro, de uma ação para outra, de um shopping center para outro procurando a maior taxa de retorno. A poupança mesmo, a poupança japonesa de abstenção de consumo não aumentou necessariamente. 14) Dúvidas parecem confirmadas. Existem muitas vantagens na reforma da Previdência. Nenhuma delas parece associada ao aumento de poupança. Texto Anterior: Ciclo de marketing continua na quarta Próximo Texto: Seguros, 1995 foi muito bom Índice |
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