São Paulo, segunda-feira, 25 de março de 1996
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O florentino na era global

LUÍS NASSIF

O que de pior poderia acontecer com o presidente da República seria considerar-se vitorioso nos episódios da CPI dos Bancos e da Previdência.
A conta paga foi alta. Para os próximos embates o governo terá que enfrentar o desgaste da revelação de práticas fisiológicas para conter a CPI, assim como a desconfiança popular em relação ao seu comportamento no episódio.
Espera-se apenas que as lições sejam bem aproveitadas, em benefício da governabilidade e das reformas.
O ponto central dos problemas do governo está na própria postura imperial do presidente.
No plano público, desperta resistências crescentes; no plano interno, emperra a gestão política e econômica do governo.
Intelectual de sucesso, político provinciano ou fisiologista, pouco importa, a Presidência tem o condão de deslumbrar quem se senta na cadeira.
Depois de carreira de intelectual de renome que culminou com a Presidência da República, a rigor FHC não precisaria demonstrar mais nada -a não ser competência para conduzir as reformas.
No entanto, mais frequentemente do que poderia sugerir a prudência, embrenha-se em disputas menores, em pequenas ou grandes demonstrações de vaidade, de auto-afirmação, que dia-a-dia vão ampliando as resistências às suas ações.
Florentino
O presidente gostaria de ser avaliado como um Médici florentino, intocável e protegido pela chamada liturgia do cargo. Errou o alvo por alguns séculos -ou, no caso brasileiro, por umas cinco décadas.
Na era da comunicação global, não há mais tal solenidade. A opinião pública analisa os governantes não só por suas virtudes públicas estritas, mas também pelo que Ortega y Gasset chamava de virtudes menores -ou seja, características de caráter que marcam relacionamentos entre homens comuns.
E nem se pense que seja uma característica de país subdesenvolvido.
O avanço da comunicação e a modernização do eleitorado acabaram há muito tempo com a figura providencial.
Ninguém gosta de conviver com pessoas arrogantes, seja em casa, no escritório ou na Presidência. Com todos os holofotes do país sobre si, a soma das pequenas atitudes pessoais ajuda a compor o caráter público da pessoa, provocando enorme barafunda na percepção da opinião pública.
Muito antes das denúncias de corrupção, o ar arrogante de condutor de povos de Fernando Collor impediu a justa avaliação de suas virtudes públicas -de quem mudou o país em 12 meses de governo.
Apesar de ter recebido um país andando, e legado um país quebrado, o pequeno Itamar, desastrado e inocentemente nocivo, mesmo assim conquistou a opinião pública por exibir pequenas virtudes da pusilanimidade -o ar de tio neurastênico mas de coração mole, a percepção de que, mesmo teimoso, estava disposto a ouvir.
Não há nada que provoque mais indignação cívica (ou pessoal) que uma pessoa pouco disposta a ouvir e reconsiderar.
Bancos
Essa confusão entre pequenos defeitos pessoais e virtudes públicas ficou clara na semana passada, quando surgiram suspeitas sobre os princípios democráticos do presidente.
Não há um só ato em toda sua vida que permita alimentar tal tipo de suspeita.
Mas é o que sugere a postura pessoal -interpretando toda crítica como manifestação inimiga, tripudiando sobre adversários em vitórias parciais, não dando satisfação a reclamos da opinião pública, julgando que é senhor absoluto das reformas, que pode prescindir de quem quer que seja, inclusive de sua equipe ministerial.
Mudar o comportamento pessoal não significa apenas deixar de gargantear em público, mas começar a dar atenção a demandas legítimas -a começar pelo caso Nacional.
O fato de a CPI ter sido rematada imprudência, não tira a legitimidade de demandas que a inspiraram -a busca de providências drásticas do governo como resposta a um escândalo.
O presidente poderia demonstrar que aprendeu as lições do episódio, anunciando em breve um conjunto de reformas no Banco Central e no sistema financeiro, para demonstrar vez por todas que sua resistência à CPI não se prendia a nenhuma forma de cumplicidade com quem quer que seja.
Malan de volta
Foi só acabar o tiroteio da CPI, para o ministro Pedro Malan voltar à mídia.
Apesar de não parecer, durante todo o tiroteio Malan permaneceu em Brasília -mudo e quedo, mas prestando toda sua solidariedade em "off".

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