São Paulo, segunda-feira, 25 de março de 1996
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Chegou a hora de o punk rir de nós

ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Nossa atitude de quebrar tudo só vai durar até quando estivermos tão velhos quanto o Peter Towsend, fazendo rock só pelo dinheiro." (Paul Cook, baterista dos Sex Pistols, em entrevista para a revista inglesa "New Musical Express", 1976).
Vinte anos depois da sombria previsão de Paul Cook, os Sex Pistols, pais do punk, estão de volta. Vão excursionar pelo mundo (Brasil excluído, lógico) e extrair um disco ao vivo dessa turnê.
Os quatro britânicos não escondem sua sanha mercantilista: "Queremos dinheiro", andam declarando.
Transformaram-se naquilo que mais combatiam: herdeiros legítimos de Peter Towsend, o líder do Who, a banda que em 1989 também voltou para uma turnê mundial sem uma única música nova, sem nada que justificasse a reunião, a não ser a decadência financeira de seus músicos e a necrofilia dos fãs.
A volta dos Sex Pistols, intencionalmente ou não, resume de maneira trágica a esterilidade do tempo em que vivemos.
As ideologias se perderam em um horizonte homogêneo, acinzentado. O mercado impera.
Mas, por mais que essa grotesca reunião dos Pistols nos incomode, ela não surpreende. Nesse sentido, a volta do Who foi muito mais oportunista. O Who é uma banda dos 60, época que, sabemos, valorizava a "honestidade", os "heróis".
Já os Pistols foram a primeira fagulha pós-moderna e incendiar um mundo a caminho da dissolução ideológica. O cinismo sempre foi a força motriz do punk
Ao impor ao rock sua estética crua e autodestrutiva, o punk ria dos dinossauros do rock (Stones, Led, Deep Purple) que desalojava. Hoje, chegou a hora de o punk rir de nós.
Há muito sabemos que a sofisticação das engrenagens da indústria pop impossibilita -na medida em que rapidamente detecta e incorpora- todo tipo de transgressão.
Mesmo que em países periféricos, como o Brasil, o punk tenha se transformado numa espécie de grito primal da periferia, a verdade é que ele nunca passou de um recurso lançado pela própria indústria, que agonizava sob o peso do rock grandioso do final dos anos 70.
A volta dos Sex Pistols inverte a máxima marxista. Agora, é a farsa que se repete como história.
A vida bem que podia ser menos cruel com a gente.

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