São Paulo, segunda-feira, 25 de março de 1996
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Miséria afeta 15% dos argentinos

DENISE CHRISPIM MARIN
DE BUENOS AIRES

Carmen Fernandez, 34, estava em trabalho de parto no hospital quando recebeu a ordem de despejo de sua modesta casa, no bairro de Palermo, em Buenos Aires.
Com o quarto filho nos braços, acabou em 1 dos 18 barracos -com paredes e teto de papelão e de lata- amontoados debaixo do viaduto que corta a avenida Córdoba, a 5,3 km da Casa Rosada, a sede do governo argentino.
Antes classificados como pobres, Carmem e seus quatro filhos passaram à condição de miseráveis -ou pobres estruturais, como preferem alguns economistas.
"Perdi todas as minhas coisas e meu emprego. Não tinha para onde ir e acabei entregando um dos meus filhos para uma família", afirma Carmen.
As grandes cidades da Argentina convivem, há dois anos, com o crescimento gradativo do número de miseráveis.
Pesquisa
Dados da Pesquisa Permanente de Domicílios do Indec (Instituto Nacional de Estatísticas e Censo) mostram que cerca de 25% da população argentina atualmente vive abaixo da linha de pobreza.
E 15% pode ser considerada miserável. Ou seja, não tem rendimento mensal suficiente para comprar a cesta básica, de cerca de US$ 160 -80% do salário mínimo.
Igualmente, essa população não conta com nível educacional que permita alteração de sua condição social e vive em habitação inadequada (cortiços e favelas).
Segundo a economista Silvia Montoya, da Fundação Mediterrânea, a crueldade maior está no fato de que a situação dessa gente não deve se reverter mesmo com o crescimento da economia do país.
"Nem o aumento da oferta de emprego ou do PIB (tudo o que o país produz) deve se reverter em benefício para os 25% mais pobres da população", afirma Montoya.
"É um círculo vicioso. Eles não têm nível educacional, por isso não entram no mercado de trabalho. Como não têm propriedades ou emprego, não conseguem crédito nem nova colocação."
Histórico
Para a economista Carola Pessimo, do Instituto Universitário Cema, a pobreza atingiu seu nível mais alarmante em 1989, quando somava 38% da população.
No ano passado, entretanto, a situação piorou. O desemprego atingiu 18,4% da população economicamente ativa em maio, e a subocupação chegou a 11,3%.
Ao mesmo tempo, a recessão corre solta desde março de 1995. O consumo interno caiu 4,8% durante o ano, segundo estimativas do economista Miguel Angel Broda, e a atividade industrial despencou.
"Não estamos como em 1989, mas a pobreza aumentou sensivelmente em 1995 se comparado com os anos anteriores", disse Pessimo.
Concentração de renda
A mesma pesquisa do Indec aponta que também ocorreu maior concentração de riqueza. Hoje, os 10% mais ricos da população do país abocanham uma fatia maior na riqueza nacional. Em 1974, sua participação era de 24%. Atualmente, ela é de 37%.
Já os 10% classificados como mais pobres, que detinham 4,4% do PIB há 22 anos, hoje contam com uma fatia bem mais magra -de apenas 1,7%.
Segundo o Caritas da Argentina, órgão da Igreja Católica vinculado à assistência aos pobres, quadruplicou o número de pessoas que faziam fila em seus postos para receber um prato de comida.

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