São Paulo, sexta-feira, 29 de março de 1996
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Villeneuve assume ser o 'diferente'

Brasil surpreende piloto

JOSÉ HENRIQUE MARIANTE
DA REPORTAGEM LOCAL

Aos 24 anos, o canadense Jacques Villeneuve é a antítese de um piloto de F-1. Ironia, se tornou uma das grandes estrelas da categoria desde sua primeira corrida, na Austrália, no último dia 10.
A ousadia de não permitir por quase toda a prova a ultrapassagem ao companheiro Damon Hill contrasta com sua personalidade.
Calmo, gentil, parece mais preocupado com as sardas que surgiram em seu rosto por causa do sol em Angra, no Rio, onde ficou hospedado na propriedade de Ayrton Senna, do que com a difícil corrida deste fim-de-semana.
Filho do lendário Gilles Villeneuve, que morreu a bordo de uma Ferrari em 8 de maio de 1982, em treino para o GP da Bélgica, não se importa com as comparações com o pai.

*
Folha - O que você está achando do Brasil?
Jacques Villeneuve - Estou gostando. Pena que não pude aproveitar muito a praia em Angra.
Folha - Por que?
Villeneuve - A 20, 30 metros da areia tinham vários barcos com fotógrafos. Não dava para tomar sol. Passei a maior parte do tempo fazendo atividades mais para dentro da propriedade. Joguei tênis umas três horas por dia.
Folha - Você foi bastante elogiado no Brasil depois de sua atuação na Austrália (ele dominou a prova e cedeu a liderança apenas por causa do motor).
Villeneuve - Estou surpreso com a atenção que os brasileiros vêm tendo comigo. Entendo que isso aconteça, por exemplo, no Canadá, onde nasci. Mas aqui...
Folha - Automobilismo tem um bom público no Brasil.
Villeneuve - Sim. Vocês parecem gostar bastante.
Folha - Quais são suas perspectivas para o GP Brasil?
Villeneuve - Será bem diferente da Austrália. Não conheço o circuito como os outros e isso é uma grande desvantagem. Com o número de voltas limitado, como acontece nos treinos, terei que gastar muitas delas aprendendo o traçado. Enquanto isso, a maioria estará correndo atrás de tempo.
Folha - O traçado lhe pareceu difícil, pelo que você já pôde ver?
Villeneuve - Não. Mas tem algumas curvas complicadas. E algumas subidas e descidas que podem acabar gerando dificuldades.
Folha - Fora esse problema de adaptação, seu grande adversário será Damon Hill, seu companheiro na Williams?
Villeneuve - Sim. Tecnicamente, temos o melhor carro da categoria no momento. Mas não descarto a possibilidade de ter problemas com Michael Schumacher.
Folha - Você acredita que o piloto alemão possa acertar tão rápido a nova Ferrari?
Villeneuve -Ele certamente tem muito trabalho pela frente. Mas não teve tempo para testar o carro. Ou seja, ele tem muito mais possibilidade de melhorar seu tempo.
Folha - A Williams já atingiu o limite do desenvolvimento?
Villeneuve - Não. Podemos evoluir. Mas, enquanto nós lutamos para melhorar meio segundo, Michael busca uma melhora de dois segundos. Além disso, é um grande piloto. E mostrou, em Melbourne, que pretende andar sempre no limite.
Folha - Você acha que isso é uma tática ferrarista? Schumacher usa tudo, mesmo que o motor exploda, enquanto Eddie Irvine leva o carro até o final?
Villeneuve - Não sei. Mas foi o que eles fizeram na Austrália. Podemos confirmar isso neste fim-de-semana.
Folha - Muita gente diz que você tem mais cabeça que seu pai. Você concorda? (Gilles Villeneuve era conhecido por superar sempre os limites do carro e das pistas)
Villeneuve - Não sei dizer. Era muito pequeno nessa época. Não me lembro muito bem.
Concordo que meu pai sempre andou no limite. Isso lhe deu vitórias. Mas também as tirou muitas vezes.
Folha - Você disse quando chegou ao Brasil, na semana passada, que sempre quis ser piloto. Mas você não se parece com um.
Villeneuve - Definitivamente, não tenho nada a ver com um piloto. Não gosto de aparecer, de adotar posturas. Quero ser um cara normal, como sempre fui.
Folha - Mas você se rotularia? Você se encaixa em algum tipo?
Villeneuve - (ri e pensa para responder) Não sei. Acho que pareço um garoto de universidade.
Folha - Seu pai ultrapassou os limites e morreu por causa disso. Você também ultrapassa limites. Existe algo suicida nisso?
Villeneuve - Não. A sensação é excitante. Sempre fiz coisas loucas, como esquiar, competir em motocross. Gosto disso.

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