São Paulo, sábado, 30 de março de 1996
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A profecia de Braudel e a globalização

RUBENS RICUPERO

"Foi no Brasil que me tornei inteligente", dizia Fernand Braudel, o homem que revolucionou, neste século, a história econômica.
Sua busca de sínteses explicativas abrangentes o levava a preocupar-se sobretudo com os ciclos longos ou seculares, em contraste com os períodos conjunturais das ondas de 25 anos de Kondratief.
Na metade dos anos 70, Braudel se perguntava se o choque do petróleo de 73 não teria marcado o início do lento declínio de um dos seus ciclos seculares, o que começou sua ascensão em 1896.
Confessando-se "desolado por causa dos seus netos", não esperava que chegaríamos ao fundo do poço antes do fim deste século.
A previsão foi logo descartada como rabujice de velho pelos economistas. Estes, como se sabe, têm desconfiança ciumenta de explicações históricas, culturais ou de qualquer forma extra-econômica para fenômenos da sua reserva de caça.
Eu mesmo, que não sou economista, achei um exagero quando li "Le Temps du Monde" ou os artigos posteriores do autor.
Hoje, porém, quando vejo amigos europeus de classe média alta angustiados com a falta de perspectiva de emprego para seus filhos, desconfio que o antigo professor da USP não estava tão longe do alvo.
De fato, estamos a uma distância de mais de 22 anos do primeiro choque do petróleo e, ao longo desse período, a taxa média de crescimento da economia mundial só tem declinado constantemente.
Desde 1980, essa taxa tem ficado abaixo dos 3%, na média da década, com resultados ainda mais medíocres por parte dos industrializados.
Estes chegaram a registrar, entre 1946 e 1952, taxas de 8,5% na Europa e Japão. O crescimento se estabilizou, em seguida, numa velocidade de cruzeiro de 5% ao ano de 1952 a 1973, com virtual pleno emprego, raras oscilações cíclicas e acelerada acumulação de capital.
A partir de então, é como se a economia tivesse mergulhado numa dessas pistas de esqui de descida rápida, com as previsões invariavelmente reajustadas para baixo.
Esqueceu-se que os "Trinta Gloriosos", como os franceses chamam as três primeiras décadas do pós-guerra, eram mais exceção do que regra.
O padrão habitual, ao contrário, tinha sido de um desempenho muito mais modesto, na época vitoriana ou nos anos de entre-guerras, por exemplo. Na verdade, os "Trinta Gloriosos" constituíram provavelmente o primeiro e único período de rápida aceleração econômica dos países industrializados.
Faltando menos de cinco anos para o século acabar, a profecia de Braudel foi, no essencial, confirmada pelos fatos.
O interessante é que a desaceleração do crescimento tenha ocorrido ao mesmo tempo em que a economia se tornava mais globalizada, interdependente e liberalizada. Não passa, talvez, de uma coincidência casual que estejam atualmente em dificuldades algumas das economias de maior índice de globalização, como as do Japão e da Alemanha.
Seria injusto querer emitir um juízo definitivo sobre a globalização, fenômeno ainda incipiente e incompleto. Não se pode, por outro lado, negar que ela não conseguiu até o momento realizar a promessa de um crescimento mais rápido.
O exemplo dos Tigres Asiáticos não é prova em contrário, pois eles já estavam crescendo aceleradamente antes da globalização, que é um fator, entre outros, do seu desenvolvimento.
Mais importante é identificar condições capazes de permitir de novo a aceleração da expansão econômica. É o tema do nosso próximo comentário, que nada tem de acadêmico para nós. Afinal, o Brasil, que tanto bem fez a Braudel, faz hoje parte integrante desse coro mundial de nostalgia à procura de um crescimento perdido.

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