São Paulo, sábado, 30 de março de 1996
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CD é ápice do artista

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REDAÇÃO

"Murder Ballads" apanha Nick Cave em sua melhor forma, exibindo com exuberância todos os requisitos para se tornar o melhor disco da carreira do artista.
O álbum é tão atormentado quanto os outros de Nick. Agora, porém, ele parece pela primeira vez se desvencilhar dos excessos autopunitivos, da culpa e da religiosidade pervertida e obsessiva.
"Murder Ballads" é direto. Nick dá tom banal a histórias horríveis, investindo pouco na queixa e no juízo de valor. Assume -e isso é inédito- que sua criatividade descende diretamente do doentio -mas sem se desculpar por isso.
Inscreve-se assim, definitivamente, a uma linhagem de artistas que extraem do grotesco o fogo de sua arte. Alinha-se a personas tão diversas quanto as de Goya, Bruegel, Francis Bacon, Laclos, Rimbaud, Brecht, Kubrick, Lou Reed.
O uso da loucura e da pestilência como inspiração à pura poesia opera outras modalidades de inversão de valores. A voz sensacional de PJ Harvey -tanto melhor quanto menos ela opta por gritar- transborda suavidade no dueto macabro de "Henry Lee".
Mais radical é a entrada de Kylie Minogue. Sua voz banal, algo abregalhada, é demoniacamente pervertida rumo a um nível de tensão sexual que faz da faixa a mais avassaladora do disco.
Por aí deslizam as outras canções, afora esbarrões no estilo trôpego e áspero de Tom Waits -prejudicado pelo culto excessivo de certa camada vanguardista-, como em "The Curse of Millhaven".
No mais, predominam um estado de tensão sempre crescente e surpresas a cada instante.
Exemplos: a melodia arrastada e irresistível da superépica "O'Malley's Bar", que termina em inumanos guinchos do psicopata; a zoeira ensurdecedora que mimetiza a mente de "Stagger Lee"; os choros e gemidos femininos que ferem a textura das canções.
Por fim, há a chatíssima "Dead Is Not the End", da fase carola do chatíssimo Bob Dylan.
Depois da matança trilhada por "Murder Ballads", Nick Cave atinge píncaros de sarcasmo, consolando as vítimas que deixou pelo caminho: a morte não é o fim. Ou seja, há sempre alma para novas e penosas encarnações.
(PAS)

Disco: Murder Ballads
Lançamento: Mute Records (importado)
Quanto: R$ 20
Onde encontrar: Flórida Laser (tel. 011/223-8359)

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