São Paulo, domingo, 31 de março de 1996
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De Collor a FHC

OSIRIS LOPES FILHO

O governo FHC constitui inegavelmente desenvolvimento dialético do governo Fernando Collor. A identidade não decorre apenas da coincidência dos nomes, mas, sobretudo, pela intensificação da política neoliberal.
Nessa linha o presidente FHC conseguiu aprofundar a liberação das barreiras alfandegárias; atendeu ao sonho consumista de importados da classe média; destruiu os monopólios estatais e intensificou a privatização; escancarou o país ao investimento estrangeiro, mergulhando de cabeça na onda da globalização. Inegável o sucesso obtido.
Há outra vertente de desdobramento da era Collor que o governo FHC ultrapassa o seu prógono. É no campo da moralidade e da utilização dos recursos públicos no seu relacionamento com o Congresso. Hegelianamente, há que se reconhecer ter ocorrido um autêntico "Aufhebund". Superou-se a era Collor. Estima-se que as maracutaias do escândalo PC não tenham ultrapassado US$ 2 bilhões. Foi uma corrupção provinciana, primitiva e brutal. Sem sofisticação.
Na gestão FHC, só o escândalo do Nacional envolve a utilização de cerca de R$ 6 bilhões subtraídos do compulsório dos bancos, depositados no Banco Central. Reconheça-se o apuro formal. O Proer dadivoso resultou de medida provisória, embora eivada de inconstitucionalidades.
A superação inquestionável da corrupção praticada no governo Collor deu-se na castração da CPI do sistema financeiro e na aprovação da emenda da Previdência.
O toma-lá-dá-cá foi rápido e rasteiro, envolvendo Planalto e parte do Congresso. Conseguiu-se uma virada na Câmara da votação da reforma da Previdência. Rolo compressor.
Quando senador, o presidente FHC havia repetido uma frase célebre a propósito de uma CPI, para apurar outras corrupções: "Quem não deve, não teme". Talvez lembrando-se dela, tratou de frustrar a CPI dos bancos.
O curioso, no episódio, foi a sua objetividade. Deu-se um tratamento quase científico. Se a mercadoria para a vitória era o tráfico de influência e a utilização da máquina da União, entendeu o governo que não havia outra alternativa senão utilizá-los.
O pragmatismo governamental foi weberiano, como competia a um governo comandado por sociólogo. Moralidade ou imoralidade pouco importou. Deu-se, ao caso, uma condução típica da neutralidade axiológica. Sem culpa, nem pecado, nem problemas de consciência. Pagou-se o preço que o mercado exigia.

Osiris de Azevedo Lopes Filho, 57, advogado, é professor de Direito Tributário e Financeiro da Universidade de Brasília e ex-secretário da Receita Federal.

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