São Paulo, domingo, 31 de março de 1996
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O último império do Oriente

ALEXANDER CHUNG YUAN YANG
ESPECIAL PARA A FOLHA

Através da famosa Rota da Seda, aconteceram os primeiros contatos comerciais, ainda que indiretos, entre as partes do mundo que hoje chamamos de China e mundo ocidental, durante o Império Romano. Mas foi a partir do século 16, com as grandes expedições marítimas, que os ocidentais estabeleceram um contato mais intenso com o Oriente, de olho nas oportunidades que ficaram conhecidas como "negócios da China".
Portugueses, holandeses, espanhóis, franceses e ingleses, entre outros, disputaram palmo a palmo esse rico filão, numa competição que gerou conflitos com consequências trágicas para o povo chinês, como a desastrosa Guerra do Ópio.
Mas apesar de todos esses esforços e sacrifícios, as potências ocidentais só conseguiram um acesso superficial às possibilidades do comércio com o país.
Para atingirem o seu verdadeiro alvo -a abertura definitiva das portas da China-, faltou a esses países conhecer e entender os chineses e sua cultura e história.
A China continental, depois da "Revolução Cultural", ou seja, desde que Deng Xiao Ping assumiu o poder e adotou a linha política de reforma e abertura econômica, atraiu investidores ocidentais, que seguiram as pegadas de seus antepassados em busca de oportunidades comerciais. Sua vantagem em relação às tentativas anteriores é que a China agora está com suas portas mais abertas.
Mas ainda persiste uma grande falta de conhecimento sobre o país e suas particularidades.
Para suprir essa carência de informação -um obstáculo para a ampliação de oportunidades de negócios- tem grande importância o trabalho dos sinólogos, que ao longo dos últimos tempos têm enriquecido a ainda escassa literatura sobre o assunto.
Com o livro "Em Busca da China Moderna - Quatro Séculos de História", do historiador inglês Jonathan D. Spence, traduzido por Tomás Rocha Bueno e Pedro Maia Soares, os leitores brasileiros que desejam embrenhar-se na história da China moderna e contemporânea terão uma excelente iniciação.
Um dos méritos do livro é a escolha do período estudado. Para compreender um país cuja história remonta a mais de 4.000 anos atrás, 400 anos podem parecer pouco, mas, segundo o autor, neles estão impressos "profundos ecos históricos" em que o passado e o presente estão fortemente amarrados. Ou seja, esse recorte cronológico conteria elementos suficientes para a compreensão global da história do país.
Além disso, a intensificação dos contatos com os ocidentais é um momento tão importante para a história da China que foi escolhido por seus próprios historiadores como marco de passagem para a era moderna, quando o país, influenciado por esses contatos, começou a buscar sua modernização.
Mudanças
O livro acompanha o trajeto da história chinesa tomando esse momento como ponto de partida. A dinastia Ming cedia espaço à dinastia Qing, que a substituiu definitivamente em 1644. Seu primeiro imperador, Shunzhi, já deu um dos primeiros exemplos da influência ocidental na política chinesa, ao nomear o padre jesuíta Johann Adam Schall von Bell como astrônomo da corte.
Mas essa dinastia, apesar de ter governado a China por quase 268 anos, divide igualmente o espaço do livro com um período de duração bem menor: a era contemporânea, que se inicia com a proclamação da república, em 1912, e vem até os dias de hoje.
Forças opostas É interessante aprender com a obra de Spence a maneira pela qual a China foi e ainda é regulada por duas forças bem distintas. Uma seria "wen" (culta, literata, civilizada, moralmente persuasiva), uma das mais profundas marcas do confucionismo na política chinesa, a primeira a utilizar concursos públicos de conhecimento para a escolha de funcionários do governo, há mais de mil anos atrás. A outra força seria "wu" (violenta, militar). No passado, aponta o autor, imperadores, quando consideravam que a situação o impunha, usavam "wu" para eliminar aqueles que ameaçavam seu poder.
Em páginas que podem ser muito úteis para compreender a atual tensão militar no estreito de Taiwan, a obra dá especial destaque à delicada questão da relação entre a China Continental, Taiwan e os Estados Unidos, uma questão ainda pouco enfatizada nas poucas obras disponíveis sobre a China em português.
Também é digna de elogio a utilização exclusiva do sistema Pin Yin de transliteração da língua chinesa para o alfabeto ocidental.
Essa sistematização é um grande passo em favor da tendência de padronização que hoje se verifica no meio universitário e na mídia, em busca de resolver de maneira praticamente definitiva antigas confusões sobre nomes de lugares, pessoas etc.
Outro ponto positivo do livro é a grande riqueza de notas, ilustrações e os mais de 40 preciosos mapas, incluídos após longa pesquisa em que o historiador valeu-se, além da ajuda de respeitados estudiosos chineses e ocidentais, de sua experiência de mais de 30 anos no assunto. A extensa bibliografia consultada indica os melhores caminhos para aqueles que quiserem empreender um estudo mais aprofundado.
Por tudo isso, o livro é uma importante contribuição para a bibliografia sobre a China, e certamente será uma das referências para uma visão geral da história do país. Nele, alunos e interessados em geral terão uma ótima fonte de informações.
Escassez Além disso, a publicação de um livro como este é muito oportuna, pois a demanda por pessoas com conhecimentos sobre a China está em alta e a oferta de informação específica é muito escassa. Para se ter uma idéia, há apenas um curso universitário de chinês na América do Sul, no Departamento de Línguas Orientais da USP, em São Paulo.
Além disso, nunca é demais lembrar que a China está praticamente ausente nos livros e cursos de história universal disponíveis, mesmo os destinados à universidade. Mesmo o período de que trata "Em busca da China moderna", a partir da presença ocidental na China, costuma ser tratado nesses livros de maneira extremamente superficial e insuficiente. O desafio de entender e explicar essa cultura que conseguiu manter sua identidade cultural durante milênios, enquanto outras civilizações surgiam e desapareciam, só agora começa a ser enfrentado com seriedade, com trabalhos como o de Spence.
Enfim, esse livro pode proporcionar a todos "negócios da China". Aos empresários, pelo fato de as informações nele presentes poderem indicar o caminho de muitas oportunidades de negócios. Aos outros leitores, porque o próprio conhecimento já é um grande negócio.

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