São Paulo, domingo, 31 de março de 1996
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Hale-Bopp pode ser o "cometa do século"

RONALDO ROGÉRIO DE FREITAS MOURÃO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Desde o aparecimento do cometa West, em 1976, não se viu cometa tão brilhante como o Hyakutake (C/1995 B2) observado no Brasil nos primeiros 20 dias de março.
As atuais gerações já observaram pelo menos três notáveis cometas: o Ikeya-Seki em 1965, depois o Bennett em 1970 e, finalmente, o West em 1976. Longe da iluminação das grandes cidades, no campo, esses três astros ofereceram um espetáculo de indizível beleza.
Lamentavelmente, a poluição das grandes metrópoles tem dificultado aos seus habitantes apreciar o céu noturno e, em particular, esses monstros celestes, assim designados no século 19, tendo em vista as narrações e os desenhos efetuados pelos astrônomos.
Além dessa dificuldade, oriunda do advento da iluminação elétrica, diversos cometas, anunciados como muito brilhantes, se revelaram pálidos. O enorme sensacionalismo que precedeu a sua aparição só acentuou o desapontamento que provocaram junto ao público.
Em 73, o Kohoutek (primeiro candidato ao título de "cometa do século") foi um autêntico fiasco ao aparecer muito escuro em janeiro de 74. Pouco rico em gás, a 120 milhões de quilômetros, ele atingiu apenas magnitude 4. O mesmo ocorreu com o Austin, em 90.
Quanto menor a magnitude de um cometa, maior o seu brilho. Assim, esperava-se um cometa de primeira magnitude que alcançou com dificuldade a magnitude 4. Com relação ao Halley, em 1986, no momento mais favorável seu brilho, alcançou magnitude 3.
Apesar de ele não ter sido superestimado pelos astrônomos, o marketing criado pela sua fama causou enorme decepção.
A má visualização do Kohoutek, Austin e Halley provocou uma série de críticas à comunidade científica e à imprensa. Foram considerados os cometas que "ninguém viu" por leigos que não conseguiram apreciá-los, nem como tênue névoa esbranquiçada, em virtude da iluminação das grandes cidades.
Na verdade, apesar de pouco luminosos, esses três fracassados cometas foram vistos a olho nu.
Isso também ocorre com os dois cometas descobertos pelo astrônomo amador japonês Yuji Hyakutake, de Kagoshima, Japão. Há sete anos, ele dedica mais de 30 horas mensais a caçar cometas.
Recentemente, conseguiu localizar, com auxílio de um binóculo, um primeiro cometa -o Hyakutake (C/1995 Y1)- em 26 dezembro de 1995, como um objeto de magnitude 10,5, próximo à intersecção das constelações de Balança, Hidra e Virgem, e um segundo -o Hyakutake (C/1996 B2)- em 30 de janeiro de 1996, nos limites entre as constelações de Hidra e da Libra, como um objeto de magnitude 9,5.
O primeiro cometa Hyakutake, observado próximo à constelação de Águia, alcançou magnitude 8 entre fevereiro e março.
Em razão do seu fraco brilho, só foi visível com auxílio de binóculos. No início, foi confundido com o segundo Hyakutake (c/1996 B2), visível a olho nu na primeira metade do mês de março, quando alcançou magnitude 3 na constelação de Libra, das 23h até às 5h.
Infelizmente, quando esteve mais próximo da Terra (cerca de 15 milhões de quilômetros), em 25 de março, sua inclinação dificultou a observação no sul do Brasil.
Nos fim de abril e início de maio, ele voltará a ser visível como astro de primeira magnitude, na constelação de Baleia, no céu vespertino, logo após o pôr-do-sol. Mas estará muito baixo no horizonte, ao contrário de que ocorreu em março.
Se, por um lado, o público se decepciona com o fraco brilho dos cometas, por outro, os caçadores de cometas permanecem centenas de horas à procura desses astros.
Isso ocorreu com o astrônomo amador norte-americano Alan Hale, de Clouderoft, Novo México, que passou mais de 400 horas em vigília. Numa pausa, quando observava o aglomerado globular Messier-70, na constelação de Sagitário, em 23 de julho de 1995, "viu um objeto difuso e imediatamente suspeitou de um cometa".
Na mesma época, outro astrônomo amador americano, Thomas Bopp, de Stanfield, Arizona, que observava objetos difusos no céu com um telescópio de 40 cm, "viu uma luz do lado oeste do campo ao observar Messier-70". Acidentalmente, estava descoberto o cometa Hale-Bopp (C/1996 O1). Por "uma ironia adorável", como confessou Hale mais tarde, estavam compensadas suas 400 horas de caçada.
Nada sugeria que ele fosse diferente das dezenas de cometas que nos visitam anualmente. Mas, logo depois de sua descoberta, os astrônomos notaram que apresentava um comportamento fora de série: se deslocava muito lentamente entre as estrelas de Sagitário.
Três dias após sua localização, dezenas de medidas de posição do cometa, efetuadas em diversos observatórios, permitiram que o astrônomo norte-americano Brian Marsden determinasse uma órbita provisória, segundo a qual o Hale-Bopp, ao ser descoberto, estava além da órbita de Júpiter.
A tal distância, seu brilho apareceu anormalmente intenso. Em fins de julho de 1995, o Hale-Bopp era 250 vezes mais luminoso que o cometa de Halley, observado à mesma distância em 1987. Estimulado por esse dado, os astrônomos anunciaram que o Hale-Bopp seria o "cometa do século". Imediatamente, iniciou-se uma procura, nos registros fotográficos, por uma imagem anterior à descoberta.
Em 2 de agosto, o astrônomo australiano Robert McNaught encontrou numa placa fotográfica de abril de 1993, com o telescópio do Observatório de Siding Spring (Austrália), o registro de um traço nebuloso de magnitude 18, que poderia corresponder ao Hale-Bopp.
Na época, a 2 bilhões de quilômetros do Sol, seu brilho parecia excepcional tendo em vista a distância. Tal constatação sugeriu que o Hale-Bopp deve ser um cometa imenso que se transformará num espetáculo cósmico em 1997.
Mas a dúvida permanece: por que o cometa se apresenta tão brilhante apesar de sua enorme distância? Existem duas hipóteses.
Na primeira, trata-se de um cometa intrinsecamente luminoso. Nesse caso, seu brilho deverá crescer até sua passagem perto do Sol.
Na segunda hipótese, o cometa deve estar sofrendo no momento uma erupção excepcional e, em consequência, sua magnitude deverá cair nas próximas semanas ou meses. A segunda tem sua base em observações anteriores.
Em fevereiro de 1991, os astrônomos detectaram um violento sobressalto de atividade na superfície do cometa Halley, que se encontrava além da órbita de Saturno.
Sua magnitude, de 24 ou 25, passou repentinamente para 19, ou seja, o cometa se tornou 300 vezes mais brilhante do que o previsto.
No entanto, se o Hale-Bopp é realmente um cometa gigante, como sugerem as imagens obtidas em abril de 1993, com um diâmetro de cerca de 100 km, seu brilho poderia atingir, em março de 1997, uma magnitude compreendida entre -1 e -3 (rivalizando com o brilho de Vênus), e sua cauda se estenderia por várias dezenas de graus. Nesse caso, o cometa se tornará o astro mais luminoso do céu.
Não há dúvida de que o Hale-Bopp será a grande atração por um ano e meio. Na hipótese mais pessimista, só os astrônomos amadores se interessarão por um astro apenas visível a olho nu.
Se ele se apresentar com uma enorme cauda prateada, como os cometas que atravessaram os céus no século 19, sua influência ultrapassará o mundo dos astrônomos. Esperemos que seja a desforra à decepção provocada pelo Halley!

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