São Paulo, domingo, 31 de março de 1996
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Diploma de mentira, prejuízo de verdade

GILBERTO DIMENSTEIN

Empanturrada de serviço, a Justiça de São Paulo abriu 500 vagas para juízes. Mas não são preenchidas. E por um simples e espantoso motivo: os milhares de candidatos não conseguem nota mínima.
"É de chorar", lamenta o juiz de direito José Thales Sena Rebouças, culpando o nível dos candidatos e, por tabela, as faculdades. Devido à reprovação em massa, começam pressões para facilitar o exame. Resolveria o problema das contratações, mas afetaria ainda mais o nível da Justiça.
A falta de competência não é um drama restrito aos alunos de direito, óbvio. O ministro da Saúde, Adib Jatene, anda horrorizado, segundo me disse, com a qualidade dos novos médicos.
Não é preciso ir longe para saber a explicação. Basta dar uma olhada nos resultados do teste aplicado pelo Ministério da Educação em 124 mil alunos do primeiro e segundo graus. Pelas médias obtidas, não há dúvida que estamos criando uma nação de despreparados, com diplomas de mentira -e, claro, prejuízos de verdade.
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Deram aqui um ótimo exemplo para o Brasil. Na semana passada, o presidente Bill Clinton reuniu-se com governadores, educadores e dirigentes das grandes empresas. Discutiram formas de melhorar o ensino antes que o aluno chegue à faculdade.
O encontro, na sede da IBM em Nova York, reuniu executivos de empresas como IBM, Boeing, Kodak, AT&T, apavorados com a possibilidade de perderem mercado para outros países em que a mão-de-obra é mais qualificada.
Colocaram o dedo na cara dos governadores, pedindo que se virassem para melhorar as escolas públicas.
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As empresas avisaram que, ao abrirem negócios dentro dos EUA, vão privilegiar Estados com melhor desempenho escolar e, a partir de agora, antes de contratarem, vão analisar o boletim.
Para não ficar na conversa mole, anunciaram que vão criar uma organização para ajudar gratuitamente as escolas a elevarem seu nível.
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Atenção empresários brasileiros: em sua última edição, a "Business Week", a mais importante revista de economia dos Estados Unidos, informa por que Minas Gerais atrai cada vez mais atenção dos investidores americanos e europeus.
Não tem a violência do Rio, nem o trânsito de São Paulo e é a segunda economia do país. Além disso, segundo a revista, tem o melhor sistema educacional público do Brasil.
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Por essas e outras, fico ainda mais irritado com o que acontece na TV Cultura de São Paulo, que produzia alguns dos melhores programas infantis do mundo.
Cito, em especial, a série "Rá-Tim-Bum", um oásis pedagógico em meio ao lixo das loirosas seminuas dos programas infantis da televisão brasileira.
Há quase dois anos não gravam novos programas do "Castelo Rá-Tim-Bum" por falta de verbas.
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A partir dos números que a Cultura me deu, fiz a seguinte conta: se 1 milhão de pais dessem por mês apenas R$ 1 para que fizessem o "Rá-Tim-Bum", haveria 300 novos capítulos. Ou seja, quase um novo programa por dia.
O valor de R$ 1 é menos do que a maioria das pessoas de classe média dá de esmola para as crianças nos semáforos. É cerca de um décimo de um bilhete de cinema.
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Não consigo entender por que a Cultura não faz uma campanha no estilo da PBS, a televisão educativa dos Estados Unidos, com emissoras coligadas em 50 Estados.
Eles colocam no ar gente respeitada com a seguinte mensagem: se você quiser manter essa programação de qualidade, precisa colaborar.
A PBS me mandou os dados: 80% de sua receita vêm de colaborações. No ano passado, cerca de US$ 300 milhões vieram das famílias. Nem estou contando aqui fundações ou empresas, que entraram com US$ 250 milhões.
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Soube que os funcionários da Cultura levaram em conta esse exemplo, mas não emplacaram. "Acharam que os brasileiros encaram doação como esmola. Não se sentem proprietários do que é público", diz o responsável pela emissora, Jorge Cunha Lima.
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Se os pais não percebem a importância de mantermos uma TV educativa, por que, afinal, os governantes perceberiam?
No Brasil, temos esse péssimo costume de imaginar que o governo resolve tudo, mas, ao mesmo tempo, sabemos que os governantes, no geral, são lentos, incompetentes e, não raro, corruptos.
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Seria ótimo se os milhões de turistas brasileiros que chegam aqui pudessem, em vez de só comprar, inspirar-se num dos mais interessantes traços dos Estados Unidos -a capacidade que as pessoas têm de tentar resolver seus problemas, sem esperar tanto do governo.
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Um dos poucos motivos que me faziam elogiar a Fiesp era o apoio que dava aos programas infantis de televisão. Tenho um motivo a menos.
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Quando me mudei para NY, as fitas do "Rá-Tim-Bum" foram das poucas coisas que trouxe na bagagem, além de CDs de música brasileira. Os livros deixei em Brasília.
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Por falar em CD, passo uma dica da cantora Leila Pinheiro. De passagem pelos Estados Unidos, onde grava novo disco, ela me sugeriu ouvir música brasileira regida pelo maestro italiano Ettore Strata e executada pela The Royal Philarmonic. Strata já regeu gigantes como Yo-Yo Ma e Stephane Grappelli.
Procurei o disco no Brasil, mas só fui encontrá-lo em Nova York. Fiquei tão entusiasmado que cavuquei mais discos de Strata. A melhor surpresa, porém, estava por vir; arranjos de boleros e tangos. Desde "Fina Stampa", de Caetano Veloso, não ouvia nada tão belo.
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Caminho das pedras: Se não encontrar por aí e, caso venha a Nova York, esses trabalhos estão na sessão de clássicos da Tower Records.
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PS - Perguntinha: por que o CD "Fina Stampa" custa menos em Nova York do que em São Paulo ou Rio?

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