São Paulo, domingo, 31 de março de 1996
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TUDO AO MESMO TEMPO?

A entrevista com o célebre economista Rudiger Dornbusch, do Massachusetts Institute of Technology (MIT), que a Folha publica hoje, traz novamente para primeiro plano um debate que, no Brasil, ocorre desde os anos 50, pelo menos.
É o debate entre os que colocam o combate à inflação em primeiro plano e os que se dispõem a sacrificar metas nessa área em nome de um crescimento econômico mais vigoroso. Era o debate que, antigamente, colocava em campos opostos monetaristas e estruturalistas.
O Plano Real provocou uma extraordinária recuperação do poder de compra de toda a população, gerou um surto de crescimento econômico "chinês" que, incompatível com a estabilização, foi então sufocado pelo governo. Ficou claro o compromisso maior das autoridades com a estabilidade, não com o crescimento.
Os efeitos negativos da freada têm sido terríveis. As empresas, especialmente as pequenas e médias nacionais, sofrem o impacto simultâneo de juros altos, câmbio favorável à concorrência dos importados e, aos poucos, da própria estabilização do consumo (já que os consumidores se endividaram demais).
O sistema bancário também sentiu o impacto, obrigando o governo a uma política de saneamento, em instituições públicas e privadas, cujos limites e custos efetivamente não foram esclarecidos até agora.
Dornbusch propõe que se abandone essa prioridade. Mais crescimento, ainda que levando a um pouco mais de inflação, eis a receita que se completa com a promoção do ajuste do setor público e a legitimação de um amplo programa de privatização. Entre os resultados da sua proposta, seria possível diminuir a desigualdade social e aproximar mais rapidamente o Brasil do Primeiro Mundo.
A leitura cuidadosa da entrevista, entretanto, acaba revelando que há uma distância significativa entre a tese geral (mais crescimento, ainda que com "um pouco" mais de inflação) e os instrumentos que, em última análise, concretizariam o ideal.
Bem ponderadas as palavras do economista do MIT, ele nada mais está propondo que o abandono das âncoras cambial e de juros altos em favor de uma fortíssima âncora fiscal.
Ou seja, a harmonia bem dosada entre inflação e crescimento depende de uma profunda reforma do Estado.
Ora, mas essa é precisamente a tese que vem sendo defendida pelos integrantes do governo FHC, entre outros pelo diretor do BC, Gustavo Franco, que Dornbusch gostaria de ver apeado do Executivo!
O tema é conhecido na literatura acadêmica internacional, que há alguns anos se debruça sobre o desafio de concatenar estabilização, ajuste e crescimento. Mas agora não mais sob o epíteto simplista de monetaristas ou estruturalistas e sim como um problema conhecido como o da sequência mais adequada, no tempo, das diferentes políticas econômicas.
E é evidente que, se se quer reduzir juros, liberar crédito e ter mais crescimento é fundamental, antes, obter garantias conclusivas de que o ajuste fiscal realmente foi feito.
Hoje, ao contrário, os sinais continuam sendo de piora nos indicadores fiscais. A reforma do Estado mal começou e depende de delicadas tramitações no Congresso Nacional.
Anunciar grandiosamente um "programa nacional" de crescimento e ajuste fiscal pode ser uma boa opção retórica. Mas querer que o governo promova o reaquecimento da economia sob a hipótese, repita-se, hipótese de que o ajuste fiscal virá é, numa palavra, temerário.
Vale ainda ressaltar que uma inflação "um pouco maior" iria retirar os ganhos de poder aquisitivo sobretudo dos mais pobres. E quem garante a estabilidade dessa inflação "um pouco" mais alta?
A sabedoria popular talvez seja, nesse particular, esclarecedora. Diz um ditado que quem tudo quer, nada tem. Outro lembra que um passarinho na mão é melhor que dois voando. E hoje a inflação cada vez menor é sem dúvida um pássaro na mão que é prudente não deixar revoar em nome de um "projeto nacional".
Dornbusch quer simultaneamente taxas de inflação baixas, crescimento elevado, resgate da dívida social, ajuste fiscal e correção cambial.
São objetivos louváveis. Mas inalcançáveis se não se respeitar uma sequência lógica fundamental.
Pode a economia alcançar tudo ao mesmo tempo agora?
Ao que tudo indica, é impossível.

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