São Paulo, domingo, 31 de março de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Mágicos

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - As meninas gostavam de mágicos e eu dava um duro desgraçado, buscando os profissionais disponíveis. Que geralmente eram ruins, alguns péssimos, mas melhores do que os mágicos que apareciam na TV. Não havia videoteipe na época, mesmo assim elas achavam que era banal ver mágica na TV, tudo parecia truque.
Mágica mesmo, com direito ao corpo presente, só ao vivo, sem possibilidade de efeitos especiais. E lá ia eu desencavar os piores mágicos do mundo, perdidos pelos clubes do subúrbio ou nos circos do velho Estado do Rio.
E foi num deles que encontrei o Grande Arquibaldo. Já conhecera um, no seminário, que era contratado para alegrar as nossas festas. Atendia pelo nome de Grande Manuel (talvez fosse Grande Manoel), seu número mais espetacular era dar sumiço num crioulo que lhe servia de ajudante, o Grande Manuel proferia umas palavras complicadas e o crioulo se evaporava.
Volto ao Arquibaldo, que também era Grande. Contratei-o para festinhas de aniversário das meninas. Até que, como o crioulo do Grande Manuel, ele não fez ninguém desaparecer, mas ele próprio desapareceu. As meninas cresceram e eu também desapareci do mercado consumidor de mágicos. Preferi me distrair com os mágicos que fazem desaparecer nosso dinheiro.
Eis que, outro dia, fui estacionar o carro em Ipanema. Um velho veio agitando a flanelinha, símbolo de seu ofício. Foi isso que me chamou a atenção. Ele agitava a flanelinha como se, de repente, do ar surgissem um guarda-chuva, uma pomba, um coelho.
Ofereceu-me seus préstimos, sempre agitando a flanelinha. Olhei-o bem nos olhos: era o Grande Arquibaldo. Sua especialidade fora fazer as coisas desaparecerem. Temi pelo meu carro. Fiz questão de pagar seus serviços antecipadamente. E o Grande Arquibaldo não entendeu porque o homem estranho e apressado lhe deu uma gorjeta tão grande e merecida.

Texto Anterior: Isca para Maluf
Próximo Texto: Bancos e bancos...
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.