São Paulo, domingo, 31 de março de 1996
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Bancos e bancos...

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

Os japoneses estão furiosos. Para pagar os estragos provocados por banqueiros inescrupulosos, o povo do Japão está desembolsando US$ 6 bilhões. O que deveriam dizer os brasileiros que, para apagar o mesmo tipo de incêndio, já desembolsaram mais de US$ 30 bilhões?
O brasileiro é um povo pacífico mesmo. Nosso PIB é oito vezes menor do que o do Japão. E o dispêndio com bancos quebrados é cinco vezes maior. Aqui, os espertalhões dão o golpe; o Banco Central faz vista grossa; o povo paga; e os delinquentes viajam -belos e formosos-, pescando ao redor do mundo.
A revista "The Economist" desta semana relata com detalhes o caso do Japão onde os fiscais do Banco Central, que deveriam exercer uma supervisão dura em cima de bancos suspeitos, ganharam posições de destaque como executivos dos mesmos bancos.
Isso me lembra um outro país... onde a passagem pelo Banco Central é o melhor passaporte para os burocratas fundarem seus próprios bancos ou tornaram-se administradores de bancos alheios. Nesse país, para acertar na sorte grande, nada mais definitivo do que um cargo temporário na sua capital.
*
Estas últimas semanas estão sendo de grande apreensão para os hospitais brasileiros. Eles também passam por uma crise severa. A população está fugindo dos bancos -sim, dos bancos de sangue.
A veiculação de notícias falsas no início do mês levou muitos doadores a se afastarem dos bancos de sangue. O déficit de sangue é enorme. Só São Paulo teve uma quebra de 35% dos doadores. A situação é de extrema gravidade. Rezemos para não acontecer nenhum desastre sério em que os pacientes venham a necessitar de sangue. Afinal, sangue é vida.
Não há dúvida que alguns bancos de sangue são tão precários quanto alguns bancos de dinheiro. Nesse ponto, o paralelo é cabível. Mas isso não pode ser generalizado. Não há motivos para pânico. A grande maioria dos nossos bancos de sangue funciona normalmente e os doadores podem e devem fazer suas doações com frequência.
As estatísticas mostram que nos centros bem administrados as ocorrências de reações adversas não chegam a 4%. É preciso separar o joio do trigo.
É lamentável constatar a grande diferença de conduta por parte da sociedade em relação a esses dois tipos de bancos. Para os bancos de dinheiro a imprensa se mobiliza, o governo injeta dinheiro e os parlamentares se atiram desesperadamente em busca da vitrina das CPIs. Enquanto isso, os ex-banqueiros gastam, sem o menor constrangimento, o fruto de sua pilhagem.
Mas, no caso dos bancos de sangue, parte da imprensa põe lenha na fogueira, o governo se cala e os parlamentares ignoram o problema, pois desse tipo de banco não sai dinheiro nem voto. Do outro lado da crise estão os pobres doentes para os quais não resta outra alternativa senão a de se aprontarem para a viagem sem retorno.
O Brasil precisa de controles severos para administrar os dois tipos de bancos. No caso dos bancos de dinheiro, a responsabilidade do Banco Central aumentou enormemente. O quadro tem de mudar. Permitir a penetração do lobby financeiro no Banco Central é tão grave quanto nomear o Drácula como chefe dos bancos de sangue.

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