São Paulo, segunda-feira, 1 de abril de 1996
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'Crise de desconfiança no sistema bancário é teórica'

ANTONIO CARLOS SEIDL
DA REPORTAGEM LOCAL

Henrique de Campos Meirelles, 50, presidente do Banco de Boston, da ABBI (Associação Brasileira de Bancos Internacionais) e da Câmara Americana de Comércio de São Paulo, diz que é apenas "teórica" a crise de desconfiança internacional no sistema bancário brasileiro.
"Se havia bancos com problemas sérios e ninguém sabia, como eles podem ter certeza de que não há mais problemas em outros bancos?", indaga. Ele diz, porém, ter certeza de que não há "outros Nacionais" e que com o tempo isso vai ficar transparente.
Na última sexta-feira, após sua posse para um segundo mandato consecutivo como o primeiro presidente brasileiro da câmara americana, fundada em 1919, Meirelles concedeu entrevista à Folha. A seguir, os principais trechos:
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Folha - A Thomson BankWatch, uma das mais importantes avaliadoras de bancos do mundo, e consultorias como Salomon Brothers, Merryl Linch e Morgan Stanley dizem que as quebras e as fraudes do Econômico e Nacional deflagraram uma crise de confiança internacional em relação ao sistema bancário brasileiro. Eles têm razão?
Henrique de Campos Meirelles - Têm razão e não têm. Têm razão do ponto de vista teórico. Não há dúvida de que levantam questões pertinentes, porque se havia bancos com problemas sérios e ninguém sabia, como podem eles então ter certeza de que não há mais problemas em outros bancos?
Folha - Então, a crise existe?
Meirelles - Relativa, porque quem conhece bem o mercado financeiro brasileiro, como nós que estamos aqui, que analisamos o dia-a-dia dos bancos, que olhamos os mercados, a nossa conclusão é de que não há outros bancos com problemas similares ao do Nacional. Isso é algo que com o tempo vai ficar transparente.
Folha - Haverá dificuldade na captação de recursos no exterior pelos bancos brasileiros?
Meirelles - Acho que pode haver um pequeno recuo na captação, porque o mercado internacional vai ficar hesitante em relação à segurança dos bancos brasileiros durante algumas semanas.
Mas na hora em que ficar claro que não há mais problemas e que o Banco Central está disposto a bancar mesmo, acho que a confiança plena volta.
Folha - Qual é o fator que pode reverter essa atual desconfiança?
Meirelles - O tempo. A hora em que ficar claro que o sistema bancário brasileiro não é igual ao venezuelano, a confiança volta.
A preocupação com o sistema financeiro brasileiro é válida. Mas, no fundo, não tem nada mais brutal do que o fato concreto de que nenhum depositante perdeu dinheiro com o Nacional. O fato concreto é que, se o problema do Econômico for resolvido com o Excel, como aparentemente vai ser resolvido, ninguém vai perder dinheiro com o Econômico. Isso significa que o falatório vai acalmar, vão se passar alguns meses e depois tudo vai voltar ao normal.
Folha - A plena confiança no sistema será restaurada?
Meirelles - Sim, porque, no fundo, o que vai prevalecer é o seguinte: de fato, pode haver problemas, mas o Banco Central já mostrou que não vai deixar banco brasileiro quebrar. Em função disso, na minha avaliação, o mercado volta à normalidade.
Folha - O uso do dinheiro do contribuinte, por meio do Proer, para salvar bancos em crise é a maneira correta de garantir normalidade ao sistema financeiro nacional?
Meirelles - A sociedade tem razão em questionar se essa é maneira correta de alocar recursos públicos, se é um bom uso dos recursos públicos a alocação de US$ 5 bilhões para preservar o patrimônio dos depositantes do Nacional. Enfatizo a palavra depositantes porque os acionistas perderam tudo.
Folha - Na sua opinião, o Proer é uma maneira adequada de se usar recursos públicos?
Meirelles - Eu, particularmente, acho que é, no sentido de que as perdas para a população e para o governo no caso de um efeito dominó no sistema, como ocorreu, por exemplo, na Venezuela, são muito grandes. Essa é minha opinião pessoal, mas acho que é uma discussão absolutamente válida.
Muita gente acha que não se deve usar dinheiro do contribuinte para salvar bancos falidos com argumentos absolutamente sólidos.
Folha - Quem tem razão?
Meirelles - Esta é a discussão, mas o fato concreto é que a partir do momento em que o Banco Central faz a cobertura dos depositantes, ele elimina o aspecto de incerteza. A insegurança pode existir, mas será tópica. Onde vejo um problema que pouco se fala é que vai ser difícil vender ações preferenciais de bancos brasileiros nos próximos meses. Os possuidores de ações preferenciais, donos do Nacional, foram os que perderam com a crise do banco. Os titulares de papéis financeiros e certificados não perderam, porque esses compromissos foram honrados pelo Banco Central e pelo Unibanco.
Folha - Qual é sua avaliação da decisão do CMN (Conselho Monetário Nacional) de obrigar as instituições financeiras a fazer rodízio de auditores independentes a cada quatro anos?
Meirelles - Os auditores têm de ser mais responsabilizados pelos balanços. Esse é o lado positivo da crise, porque, se for cobrado dos auditores que auditem os créditos dos bancos e de repente eles passarem a olhar isso com profundidade, teremos resolvido um problema histórico no Brasil.
Nesse sentido, o rodízio dos auditores é uma boa medida.
Folha - De acordo com pesquisa Datafolha realizada em São Paulo, 76% da população acha que os bancos devem ser investigados por uma CPI. Os bancos temem uma investigação de suas atividades?
Meirelles - Não, não temem. Do ponto de vista dos bancos e do sistema financeiro privado, uma CPI é de irrelevante a positiva. Uma discussão mais interessante seria uma CPI dos bancos estaduais.
O presidente do Banco do Brasil, Paulo César Ximenes, teve uma atitude corajosa em divulgar o prejuízo do Banco do Brasil nos últimos dez anos. Ele deve ser elogiado, porque isso vai na direção de construir credibilidade.
Uma discussão interessantes seria uma CPI para apurar como o Banco do Brasil perdeu US$ 4 bilhões nos últimos dez anos. Talvez a maioria dos políticos que estão defendendo a CPI dos Bancos não quisesse ter essa discussão. A insistência na CPI dos Bancos é uma atitude meramente política.
Folha - Qual sua posição no acordo da dívida do Estado de São Paulo junto ao Banespa?
Meirelles - Sou favorável à aprovação. Mas, por outro lado, tenho uma posição de princípio. Eu acho que os bancos estatais estaduais devem ser privatizados. O governo tem de se dedicar às suas funções clássicas, como ocorre nos países que estão dando certo.

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