São Paulo, segunda-feira, 1 de abril de 1996
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Exposição fatal

JOSUÉ MACHADO

A leitora Celina Ligalis (?), de Campinas, SP, manda dois recortes com textos desta Folha:
"A estudante Adriana Santos Lacombi, 19, está no 'Sete Voltas' a cinco semanas fazendo um tratamento para ganhar peso." Está "a" cinco semanas? Cacilda! Outro:
"Se ela se expor demais, vai correr riscos..."
Sabemos todos, menos alguns computadores, que a preposição "a" é utilizada em orações com fenômenos por ocorrer; a preposição "a" indica, portanto, o futuro, entre outras coisas:
"Daqui A algum tempo o governo criará o Prousina."
Quanto ao velho e maltratado "há", de haver, refere-se ao passado e pode ser substituído por "faz", também impessoalmente. "Há (faz) muito tempo o governo optou pelo povo."
Logo, é fácil concluir:
"Adriana está no 'Sete Voltas' HÁ cinco semanas."
E o caso de "se ela se expor demais"? É óbvio que o computador quis dizer:
"Se ela se expuser demais, vai correr riscos..."
Será que alguém vagamente escolarizado escreveria algo como "Se o governo 'pôr' dinheiro nas usinas, abafará a crise...", em vez de "se o governo 'puser'..."?
Pensando bem, é uma pena, mas provavelmente, sim.
De fato há muita confusão entre o futuro do subjuntivo (puser, puseres, puser, pusermos, puserdes, puserem) e o infinitivo pessoal (pôr, pores, pôr, pormos, pordes, porem). Não só desse, como da maioria dos verbos irreg\ulares. Ocorre que nos verbos regulares esses tempos são iguais: infinitivo e futuro\ perfeito do subjuntivo -comer, comeres, comer, comermos, comerdes, comerem.
A formação do futuro do subjuntivo é simples: toma-se a terceira pessoa do plural do pretérito perfeito do indicativo, nosso conhecido passado perfeito (comeram, expuseram), tira-se o sufixo (am) e tem-se a primeira pessoa do futuro perfeito do subjuntivo -comer, expuser. Os nomes são longos e chatos como a "Voz do Brasil", mas o processo é simples: expuser, expuseres, expuser, expusermos, expuserdes, expuserem. Claro que sempre com "esse", porque nenhuma forma de "pôr" e derivados leva "zê", já dizia dona Olga.
No caso de saudável dúvida, basta olhar a gramática. Ou até um bom dicionário, que indica as conjugações mais difíceis. É só procurar o infinitivo: expor. Mas convém ter desconfiômetro, coisa que alguns repórteres, redatores, computadores, representantes do povo e governantes não têm.
A hipótese de distração é uma das possíveis para explicar o "se ela se expor". Outra é a seguinte: o repórter ou redator admira a literatura regional realista e está apenas reproduzindo a fala do povo. A frase "Se ela se expor demais, vai correr riscos..." foi dita por um major da Polícia Militar. Pois Guimarães Rosa não reproduziu com tanta felicidade a fala da moçada do sertão? Sim, deve ser isso.
"O grande sertão é a forte arma. Deus é o gatilho?", pergunta Rosa.
Não, não é. O gatilho talvez seja o Prousineiros, que vem depois do Proer e precede o Proempreiteiros.

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