São Paulo, segunda-feira, 1 de abril de 1996
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Carrinho de mão leva vítima de hemodiálise

AURELIANO BIANCARELLI

AURELIANO BIANCARELLI; FÁBIO GUIBU
ENVIADO ESPECIAL A CARUARU

Uma das intoxicadas em Caruaru (PE) que será internada hoje é carregada pelo marido para fazer o tratamento

Os moradores da vila do Sapé Alto, no município pernambucano de Bonito, já se acostumaram com a cena: três vezes por semana, antes do amanhecer, o agricultor José Arlindo da Silva, 36, leva a mulher num carrinho de mão até a estrada de asfalto, 2 km adiante.
A mulher, Zefinha de Lima, 34, é um dos pacientes intoxicados em Caruaru que continuam fazendo hemodiálise. A cena da madrugada de hoje seria diferente: Arlindo deve estar levando uma sacola com as roupas da mulher e os filhos acompanharão a mãe até a estrada.
O microônibus da prefeitura deve pegá-la às 5h e levá-la com outros doentes para Caruaru. Às 11h de hoje, Zefinha embarca para Recife, onde será internada no Hospital Barão de Lucena.
Zefinha será a 45ª vítima internada na ala especial do 6º andar do Barão de Lucena.
Todas foram intoxicadas durante tratamento no Instituto de Doenças Renais de Caruaru. Trinta pessoas já morreram. Outras 44 continuam intoxicadas. Dezenove pacientes internados em Recife devem receber alta hoje à noite, diz o secretário de Saúde do Estado, Jarbas Barbosa.
Sacola
No sábado, Zefinha arrumou a sacola com roupas como alguém que parte para voltar logo. Duas peças íntimas, uma camisola, uma saia e uma camiseta. A filha Maria ouviu as instruções: devia cuidar dos irmãos José Josivaldo, 7, e Josenildo José, 9. Maria tem 14 anos e desde o Carnaval, quando a mãe piorou, é quem cuida da casa.
Zefinha é o lado miserável do "acidente" que transformou o agreste no palco da maior tragédia da hemodiálise que se tem notícia. Mais de 200 pessoas, entre técnicos e especialistas dos EUA e da Inglaterra, buscam as causas.
Zefinha, desde que passou mal 40 dias atrás, continua sendo levada até a estrada no carrinho de mão emprestado. Na volta das sessões de hemodiálise, quando o marido está trabalhando, são os vizinhos que empurram o carrinho.
Na sexta-feira, os médicos de Caruaru -60 km do Sapé Alto- disseram que Zefinha devia ser levada imediatamente para o Recife. "Fiquei por minha conta. Não tinha me despedido das crianças."
'Cidade das águas'
Bonito é conhecida como "a cidade das águas" por causa das cachoeiras. Da porta da casa de Zefinha, se avista a plantação. O barraco onde ela mora não tem luz elétrica. Zefinha passa os dias na cama olhando para as telhas.
Ela não culpa ninguém. "Se alguém errou, não sei. Lá sou bem tratada." Zefinha diz que só tem medo quando pensa nas pessoas que conhecia e que morreram.

Colaborou Fábio Guibu, da Agência Folha, em Recife

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