São Paulo, segunda-feira, 1 de abril de 1996
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A privatização e os acadêmicos

LUÍS NASSIF

Em 1992, a privatização estava emperrada. Depois da queima inicial de patrimônio público, e do desgaste político do governo Collor, a única saída seria um projeto político que legitimasse o processo.
Na época, pessoas de fora do governo propuseram uma fórmula que era um primor de engenharia econômica, social e política. Consistia em o governo reconhecer as dívidas que o setor público tinha junto aos chamados fundos sociais (FGTS, PIS/Pasep, FAT e Previdência). Os credores eram os trabalhadores; os devedores, o setor público, especialmente Estados.
Pela proposta, o governo emitiria certificados de privatização e pagaria os fundos sociais -em vez de ficar beneficiando debenturistas da Siderbrás, que são maiores de idade. Depois, trataria de negociar com os Estados.
Além disso, as ações de estatais permitiriam a constituição de um fundo previdenciário capaz de garantir os direitos dos aposentados, abrindo espaço para a reformulação do órgão.
Na ponta devedora, negociaria com Estados e municípios a securitização de sua dívida, esticando o prazo de pagamento contra garantia do fundo de participação (parcela da arrecadação federal que, pela Constituição, destina-se a Estados).
A coluna abraçou de pronto as propostas. Além de defendê-las neste espaço, procurou contato com o na época ex-governador cearense Tasso Jereissati, então em negociações com o ex-presidente Collor, visando preservar a governabilidade.
Tasso recebeu a proposta e a encaminhou a seus assessores econômicos. A proposta foi rejeitada, sob argumentos vagos -de que não seria politicamente viável. Tempos depois, as idéias ali contidas -que a coluna passou a chamar de Plano K- começaram a ganhar a opinião pública.
Mal informado sobre seu teor, Collor deu entrevistas chamando o documento de "kilos de bobagem". Logo depois, tive uma conversa telefônica com um dos assessores de Tasso, que havia condenado a proposta. "O que deu no presidente? Esse plano poderia ter salvo seu governo", disse-me ele.
Ciumeira
Por gentileza com o colunista (apesar de as idéias não serem da coluna), ou por sinceridade, praticamente todos os próceres tucanos diziam-se admiradores da proposta.
Por que, então, não avançava? Por uma questão de ciúmes de acadêmicos. Pelo receio de que, se estimulassem a idéia, poderiam estar fortalecendo economistas ligados a outros partidos.
Agora, chega-se à privatização da Light. As condições definidas -por dona Elena Landau, uma das assessoras de Jereissati na época- criaram a perspectiva do fracasso do leilão, levando o governo a mudar as regras nas vésperas, permitindo a utilização de moedas podres.
Como ficaram todos aqueles pontos que poderiam ter sido resolvidos sistemicamente pelo Plano K?
1) Voltam as moedas podres, mas beneficiando investidores de mercado, não trabalhadores, e ajudando a reduzir ainda mais a legitimidade do governo. Se estivessem em mãos dos fundos, não haveria risco de fracasso da venda da Light, por falta de compradores.
2) Perdeu-se a grande oportunidade de um corte fundamental na estrutura de poupança, transformando o FGTS no grande investidor institucional do país, por meio de sua participação no programa de privatização e posterior autonomia. Para consolidar o novo modelo, cria-se uma poupança individual, que levará anos até ser aceita pelos poupadores.
3) Sem a securitização das dívidas estaduais, estas explodiram com a política de juros do ano passado, obrigando o governo a ceder às pressões dos Estados.
4) Por falta de legitimidade, a reforma da Previdência Social resultou em fracasso.
Daqui para a frente, espera-se o mínimo de bom senso, desprendimento e visão política para reformular o programa de privatização.
Biondi
Polêmica é exercício de argumentos, não prova de resistência. Em respeito aos leitores, à lógica e, especialmente, a Aloysio Biondi, a coluna desiste de continuar demonstrando as impropriedades técnicas de seus argumentos sobre a venda do Nacional.

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