São Paulo, quarta-feira, 3 de abril de 1996
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DVS: o que é antidemocrático?

ANTONIO KANDIR

Aprovada em primeiro turno a emenda da reforma da Previdência, por quase 70% dos votos da Câmara, a oposição recorreu a procedimento pouco conhecido do público, mas muito frequente no Congresso: requereu Destaques para Votação em Separado (DVS) de vários pontos da emenda aprovada, obrigando assim os partidos que apóiam o governo a conseguir novamente número de votos igual ou superior a 3/5 na votação de cada um dos destaques apresentados.
Até aí, nada de excepcional. De espantar, realmente, foi o número de DVS apresentados: nada menos de 224.
Chamadas a negociar a redução do número de DVS ao essencial, as oposições recusaram-se a fazê-lo, a menos que o governo e suas lideranças aceitassem eliminar pontos fundamentais da emenda, descaracterizando definitiva e irremediavelmente a reforma da Previdência. Ficou claro, assim, que a intenção das oposições não é outra senão "melar" um jogo em que vêm colhendo seguidas derrotas.
Daí a necessidade urgente de alterar o mecanismo do DVS. As oposições acusam a mudança regimental de ser antidemocrática. A acusação é totalmente descabida e revela dificuldade de perceber onde termina o exercício legítimo do direito democrático da minoria e onde começa a conduta irresponsável de quem quer pura e simplesmente armar confusão.
Para início de conversa, esclareça-se que não se quer abolir o mecanismo do DVS. Esse é um mecanismo indispensável ao funcionamento democrático do Congresso, bem como ao auto-aperfeiçoamento de suas decisões.
É inadmissível, porém, que possa servir de instrumento para emperrar as decisões do Congresso e, no limite, paralisá-lo. Pois quando isso ocorre o DVS deixa de ser um instrumento democrático para se tornar um artifício prejudicial à democracia, na medida em que compromete gravemente a capacidade do Legislativo de oferecer resposta aos problemas cruciais do país.
E todos sabemos que, nessas condições, o Congresso se enfraquece e a democracia se debilita. Obrigar o plenário a decidir sobre 200, 300, sabe-se lá quantos DVS, a maior parte deles fabricada apenas para entulhar a pauta de votações, nada tem a ver com o direito legítimo de a minoria confrontar, testar e limitar o poder da maioria. É casuísmo puro e escarrado, em prejuízo do Congresso, da democracia e do país.
Para impedir que o DVS continue a ser manipulado desse modo é preciso dar-lhe nova regulamentação, criando limites e/ou filtros à sua apresentação.
Não se trata aqui de definir qual a melhor das alternativas em estudo. Importa é sublinhar que, seja ela qual for, deve conciliar duas exigências: de um lado preservar o direito de a minoria, aprovada a espinha dorsal de um projeto ou emenda, forçar posteriormente a aprovação individualizada de algumas de suas "vértebras"; de outro, impedir que o exercício extravagante e antidemocrático desse direito possa converter-se em obstáculo a que o Congresso funcione como deve funcionar.
Em outubro de 1994 34 milhões de brasileiros elegeram Fernando Henrique Cardoso presidente da República. Seu compromisso de realizar as reformas era explícito. Seu governo constituiu uma base de apoio congressual amplamente majoritária, ainda que heterogênea. As oposições optaram desde o início por contrapor-se sistematicamente às reformas da Constituição.
Com a exceção honrosa de poucos parlamentares, alguns deles autores de propostas de emendas constitucionais que infelizmente não conseguiram apoio, em tempo oportuno, de seus próprios partidos, as oposições não apresentaram alternativas concretas e furtaram-se sempre ao debate sobre o mérito específico das mudanças.
Refugiaram-se em práticas reiteradas de obstrução e adiamento. Chegaram agora ao paroxismo.
Querem dificultar por todos os meios a reforma da Constituição e assim impedir a consolidação do Plano Real, para que possam colher os frutos eleitorais em meios aos escombros do país.
Não vão conseguir. O país precisa das reformas já, para tornar viável o ajustamento fiscal, consolidar a estabilidade e abrir caminho largo e firme para o desenvolvimento.
Melhor regulamentado o DVS, vamos, sem prejuízo do exercício responsável da minoria, dar ritmo adequado à aprovação das reformas no Congresso. Pois o país já aguardou tempo demais e tem pressa de encontrar-se em definitivo com um futuro melhor.

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