São Paulo, domingo, 14 de abril de 1996
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Ilegalidade irracional

CELSO PINTO

Cada vez que um investidor estrangeiro compra uma ação de um banco brasileiro está cometendo um ato inconstitucional. Como isso acontece todos os dias, pode-se dizer que vivemos no paraíso da ilegalidade.
Um estrangeiro aumentar a participação no capital de uma instituição financeira, por menor que seja, é algo expressamente proibido pela Constituição de 1988. O sentido da proibição é absurdo, e até hoje ninguém abriu uma ação contra um investidor externo.
Isso, até o governo descobrir sua utilidade como instrumento de pressão. Um advogado que representa investidores externos e pensa em processar o Banco Central por negligência nos casos do Nacional e do Econômico ouviu de assessores do governo, em Brasília, que, se isso acontecer, o governo poderá alegar que os investidores compraram suas ações ilegalmente.
A origem da confusão está no famoso artigo 192 da Constituição, que trata do Sistema Financeiro Nacional, e remete a uma lei complementar a questão da participação estrangeira. O artigo 52 das Disposições Transitórias da Constituição define o que fazer até lá.
Ele proíbe, explicitamente, "o aumento do percentual de participação, no capital de instituições financeiras com sede no país, de pessoas físicas ou jurídicas residentes ou domiciliadas no exterior".
Abre uma exceção. Pode haver autorização resultante de "acordos internacionais, reciprocidade, ou interesse do governo brasileiro".
É nessa brecha que o governo, por meio de simples decreto presidencial, tem autorizado, de tempos em tempos, aumento da presença estrangeira no sistema financeiro. Foi assim que o banco Hongkong & Shanghai foi autorizado a comprar 6% do capital do Bamerindus.
Foi por essa razão, também, que, junto com o anúncio do aumento de R$ 8 bilhões no capital do Banco do Brasil, foi emitido um decreto presidencial autorizando investidores externos a subscreverem sua parcela. Só que, como mostram os dados do BB, investidores externos já possuem 1,5% das ações ordinárias do BB e 23,6% das ações preferenciais, totalizando 11,2% do capital total.
Nenhum decreto presidencial autorizou esses investidores a comprarem essas ações, embora um decreto os autorize, agora, a manter a mesma participação acionária no BB subscrevendo o aumento de capital. A razão é que o BB precisa desses acionistas e quer lhes dar segurança legal.
O BB não está sozinho. No ano passado, um dos maiores bancos privados nacionais fez uma consulta ao Banco Central. Investidores externos haviam aumentado sua participação no capital do banco, adquirindo ações por meio do Anexo 4 (o mecanismo legal de aplicações externas nas Bolsas brasileiras).
O banco queria saber como agir face à restrição constitucional. O BC não tinha resposta.
A questão é surrealista, porque, em nenhum desses casos, a compra de ações por estrangeiros envolve risco de troca de controle acionário. Além disso, o país tem feito todo o possível, há vários anos, para atrair o máximo de investimento externo as suas Bolsas.
O fato é que, quando foi criado o Anexo 4, em 1991, o então presidente da Comissão de Valores Mobiliários, Ary Oswaldo Mattos Filho, fez um giro pelo mundo e sentiu-se na obrigação de alertar contra a compra de ações de bancos brasileiros.
Ninguém jamais levou a sério, assim como jamais levou-se a sério o teto legal de 12% ao ano de juros, também inscrito no artigo 192. A única solução sensata é torcer para que o projeto do deputado Antônio Kandir (PSDB-SP) para regulamentar o artigo 192 resolva a questão. Até lá, teremos que conviver com a ilegalidade irracional.
Excel
O Excel diz que topa assumir passivos do BNDES no Econômico equivalentes aos ativos de cerca de R$ 130 milhões que absorveria. Como os ativos rendem TR mais 7% a 8%, passivos do BNDES seriam mais baratos do que ter que financiar os ativos no mercado a TR mais 17%.
O BC estaria relutante: quer encontrar o máximo de ativos possíveis para equilibrar os passivos que quer que o Excel assuma. O BNDES, por sua vez, quer evitar ficar com seu dinheiro enfileirado na massa falida.

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