São Paulo, domingo, 14 de abril de 1996
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Rua é alternativa à violência em casa

LALO DE ALMEIDA; ROGERIO WASSERMANN
DA REPORTAGEM LOCAL

As entidades e responsáveis por projetos de assistência a menores carentes são unânimes em afirmar que os garotos de rua são produtos da situação de miséria e empobrecimento de uma parcela da sociedade.
"Esta situação de pobreza e abandono é pano de fundo para a situação de violência dentro de casa, para a agressão física ou sexual", afirma a pedagoga Maria Cecília Garcez Leme, 33, da Associação de Apoio aos Meninos e Meninas de Rua.
"A criança acaba encontrando na rua um ambiente melhor que a sua própria casa", diz ela.
Para o coordenador estadual do Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, Marco Antônio da Silva, 27, os garotos acabam incorporando a cultura de marginalização imposta pela sociedade e culpando a si mesmos por suas situações.
"Sem um apoio, como eu tive, fica muito difícil sair desta situação", diz. Segundo ele, de 27 meninos e meninas que faziam parte de seu grupo de rua, apenas quatro estão vivos, sendo que dois estão presos e um ainda vive na rua.
Para o padre Júlio Lancellotti, da Pastoral do Menor, a situação dos garotos de rua no Brasil é "uma prova cabal da omissão do poder público" em relação às políticas sociais. "As ações do poder público são verdadeiras esmolas", diz.
Legislação
Para a deputada Rita Camata (PMBD-ES), presidente da Frente Parlamentar Pela Criança e relatora do Estatuto da Criança e do Adolescente, aprovado em 1990, ainda não se conseguiu implantar o Estatuto em sua plenitude.
"Fala-se muito em baixar a idade para responsabilidade criminal, mas o Ministério Público não exige que se cumpra aquilo que exige o Estatuto"', afirma.
Para ela, os garotos de rua são vítimas da desestruturação familiar decorrente da miséria. "Estes adolescentes acabam vistos como uma ameaça à sociedade. Temos que ultrapassar a barreira do preconceito e estender uma mão a eles", diz.
O Estado
Marta Teresinha Godinho, secretária estadual da Criança, Família e Bem-Estar Social, diz que o governo estadual está tentando superar a "mentalidade repressiva" que orientava o trabalho com crianças nos governos anteriores.
"Este trabalho nunca foi feito na linha do apoio e do incentivo", diz. Ela afirma que a secretaria tem recursos escassos e classifica o trabalho como "hercúleo".
Para ela, a sociedade ainda rejeita os menores de rua e prefere ignorar o problema. "Algumas cidades do interior não querem nem mesmo abrigar casas para menores. Ninguém quer se envolver com o problema", diz.
Pressão
Para Oded Grajew, 51, presidente da Fundação Abrinq, que tem diversos projetos voltados para menores carentes, a participação da sociedade civil não basta para resolver o problema dos menores de rua. "Temos que pressionar o governo para que faça a parte dele", afirma.
Grajew considera que há falta de vontade política. "No ano passado, o governo federal gastou R$ 1,5 bi em programas destinados às crianças, apenas 10% do que foi destinado a cobrir rombos nos bancos", afirma.
Para Carlos Eduardo Pellegrini Di Pietro, 57, coordenador da subcomissão de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da OAB-SP, o Estado não tem infra-estrutura adequada para a substituição dos lares dos menores abandonados. "É uma tragédia o que acontece, a infra-estrutura está falida no Brasil", diz.
(LA e RW)

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